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E n t r e v i s t a  E m p i r i s m o  E r é t ( i c ) o  o u  L e  1 2 0  g i o r n a t e  d i  P a s ò  é  d e d i c a d a  a  G i o v a n n i  d a  M o d e n a : 

"O escândalo de me contradizer, de estar contigo e contra ti; contigo no coração, à luz do dia, contra ti na noite das entranhas; traidor da condição paterrna - em pensamento, numa sombra de ação – a ela me liguei no ardor dos instintos, da paixão estética; muito anterior a ti, não a sua luta de milénios: a sua natureza, não a sua
consciência; só a força originária do homem, que na ação se perdeu,
lhe dá a embriaguez da nostalgia
e um halo poético e mais nada sei dizer, a não ser o que seria justo, mas não sincero, amor abstracto,
e não dolorida simpatia… Pobre como os pobres, agarro-me como eles a esperanças humilhantes, como eles, para viver me bato dia a dia. Mas na minha desoladora condição de deserdado,
possuo a mais exaltante das poses, o bem mais absoluto. Todavia, se possuo a história, também a história me possui e me ilumina: mas de que serve a luz?"

 

A seguir, fragmento final de entrevista prestada por Otacílio Melgaço ao cientista político e colaço Oscar Mengaldo.  

 

Em seguinte passagem - sob os auspícios do historiador, crítico e escritor Luiz Nazário - Pier Paolo Pasolini encontra-se em foco.

 

(...)

 

"Há algo que salientaria em rizomas nos quais a arte contemporânea vem se estilhaçando?"

 

"Fundamentos sobre uma hipótese que se demonstra matematicamente per absurdum: o que aconteceria se uma família (burguesa, seria esse o termo?) fosse visitada por um deus? O visitante nada faria para seduzir seus membros. No entanto, fascinados por sua presença magnética, por sua beleza misteriosa, todos se entregariam sexualmente a ele. Ao partir bruscamente, o deus operaria uma metamorfose nas personagens. Elas tentariam, em vão, responder à mensagem recebida, por exemplo: o filho, pintor medíocre, abandona-se ao transe estético, mas incapaz de plasmar o divino, mascara sua falta de talento com experiências vanguardistas, urinando nas telas sobre as quais derramara tintas a esmo ('ninguém deve saber que o artista é um idiota, um incapaz; cada ato, mesmo falho, deve se apresentar como perfeito')."

 

"Li, em uma de suas entrevistas, a diferenciação entre arte com a e Arte com A..."

 

"Pasolini escrevia Realidade com letra maiúscula para exatamente apartá-la das minusculares..."

 

"Acredita que hoje em dia tudo tende, de uma forma ou de outra, ao mero culto à escandalização? Se sim, vê nisso um fundo sumamente de manobra, peleguismo político-economicista?"

 

"Depende. No caso de Pier Paolo, o escândalo tornou-se mesmo o meio de sua existência, desde que, para ele, escandalizar era um direito e ser escandalizado, um prazer, sendo moralista quem recusava o prazer de ser escandalizado.

Entretanto, como já o percebera Luis Buñuel no fim da vida, tornou-se cada vez mais difícil escandalizar a nova massa sem moral. O sadismo virou um sucesso! No mundo do consumo, o inferno é o limite... Instrumentalização do neocapitalismo: em sua fase sadomasoquista global, já tudo permite, tolera, consome e assimila, consagrando mesmo o que há de mais sórdido, torpe e insuportável." 

 

"Pasolini citava aquele exemplo da nave espacial que..."

 

"O nome da nave Apollo parecia-lhe um ridículo e hipócrita resíduo humanista pespegado a um objeto produzido pela mais avançada civilização tecnológica. Sentia uma estranha antipatia pelos três astronautas, tipos de homens médios e perfeitos, exemplos de como se deve ser; carentes de estética, mas funcionais; carentes de fantasia e paixão, mas impiedosamente práticos e obedientes; totalmente carentes da mínima capacidade crítica e autocrítica, verdadeiros homens do poder; tão determinados por um futuro totalmente condicionado; e de suas esposas, que representavam com candor pudoroso o papel encomendado de Penélopes leais e um pouco bruscas; que sabiam reduzir tudo, no momento oportuno, ao café e aos pasteizinhos que ofereciam à vizinha do lado, alimentando a íntima esperança, tão humana e reconfortante, de que seus maridos regressariam logo e deixariam de bancar os heróis."

 

"Heróis ou uma nova tipologia contemporaneamente santificável?"

 

"Pessoalmente, o homem que teve - talvez - Salò como réquiem, admirava João XXIII e sua pregação de caráter social. Mas acusava a Igreja de suprimir a caridade do comportamento cotidiano, dirigindo, a Pio XII, o seu mais célebre epigrama, 'A um Papa':

(...)

'Tu o sabias, pecar não significa fazer mal:

não fazer bem, isto significa pecar.

Quanto bem podias fazer! E não o fizeste:

nunca houve um pecador maior do que tu.'

Em sendo assim, nem herói, nem santo...: homo papalis..."

 

"Como percebe essa linha tênue que faz das pessoas funâmbulas, entre dois charcos escatológicos: a repressão e a tolerância?"

 

"Na repressão vivem-se as grandes tragédias, nascem a santidade e o heroísmo; na tolerância definem-se as diversidades, analisam-se e isolam-se as anomalias, criam-se guetos. Preferiríamos ser tolerados a injustamente condenados? Preferiramos ser condenados injustamente a ser tolerados." 

 

"Ecos d'Scritti corsari?"

 

"La sequenza del fiori de carta..."

 

"O indivídio médio ainda é a principal vergogna desse declínio ao consumismo genocida?"

 

"O indivíduo médio da época de Leopardi podia interiorizar a natureza e a humanidade na pureza ideal objetivamente contida nelas; o indivíduo médio de hoje só pode interiorizar um automóvel, um televisor, uma aparelho celular, uma prótese siliconada, um fim de semana na praia. Aliás, tudo cada vez mais se indiscernivelmente medianiza..."

 

"Mas, então, para que público o Artista, hoje, cria?"

 

"Retomando o contexto da época (mas tome como metáfora transdiacrônica); perante As Mil e uma Noites de Pasolini, um espectador acusou-o de ser aristocrata e de só fazer filmes para a burguesia. Pasolini afirmou não ter culpa se grande parte do povo italiano era analfabeta e que fazia filmes para um público de seu próprio nível cultural. Explicou que perdera a ilusão gramsciana de uma arte nacional-popular que atingisse todas as pessoas. Expressava-se, enfim, sem querer facilitar a mensagem, sem ser pedagógico, sem pretender educar o povo.

Um acontecimento inédito na história fez Pasolini abandonar seu amado subproletariado: o advento da cultura de massa, que relegou de chofre Gramsci ao passado, com seu 'povo' e com o 'povo' de sua juventude - uma classe social revolucionária, dissociada da classe dominante por características políticas, históricas e até étnicas próprias. Ao mesmo tempo, o cinema também se tornava um meio de cultura de massa, e por consequência, um instrumento de alienação. Como um cineasta poderia opor-se a estas realidades? Para Pasolini, a única forma de oposição seria a que se instituía através de um cinema impopular e inconsumível, realizado à maneira da poesia, alheia a qualquer determinação externa. Assim, pouco importava a Pasolini que o público e os críticos, tornados analfabetos pelo consumo do cinema consumível, incapazes de compreender a metalinguagem, entendessem ou não as discussões ideológicas contidas em seus filmes: resistindo à ditadura da mídia, o cinema aristocrático denunciava, por si mesmo, a mistificação asquerosa da cultura de massa. Ele sugeriu, assim, a vigência na atualidade de um 'cinema de poesia' et cætera et cætera et cætera."

 

"Então, cinematicamente culminando nossa entrevista, há algum poema de Pior Paolo que desejaria ter como coda?"

 

"Declinaria? Não! Que fique meu apontamento Sim ao cinema de poesia que Pasolini nunca chegou a engendrar, em especial aqui, convido todos a assistir a San Paolo (cujo título original não poderia ser outro: Bestemmia). Em lugar de, de uma pequena ficha autobiográfica onde concluía um esboço de sua vida com uma confissão:

'Amo a vida tão ferozmente, tão desesperadamente, que não me pode advir daí nenhum bem; falo dos dados físicos da vida, o sol, a erva, a juventude: é um vício mais tremendo que o da cocaína, pois não me custa nada e existe com uma abundância desmedida, sem limites: e eu devoro, devoro, devoro...'"

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