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"Não há Verdadeira Criação sem Segredo." (A. Camus)

"A Máscara filtra Olhares." (O. Todd)

 

"Há mais de vinte anos, uma noite em que

atravessava a Place d'Italie, Giacometti foi

atropelado por um carro. Ferido, com a perna

torcida, no desmaio lúcido em que mergulhou,

sentiu primeiro uma espécie de alegria: 'Enfim,

alguma coisa me aconteceu!'

Conheço o radicalismo

dele: esperava o pior; essa vida que ele amava

a ponto de não almejar nenhuma outra fôra

transformada, rompida talvez pela

estúpida violência

do acaso: 'Portanto', pensava ele,

'não era feito para

esculpir, nem mesmo para viver; não era feito para

nada.' O que o exaltava era a ordem ameaçadora

das causas de súbito desmascarada e

o fato de fixar

sobre as luzes da cidade, sobre os homens, sobre

seu próprio corpo estatelado na lama, o olhar

petrificante de um cataclismo:

para um escultor,

o reino mineral nunca está longe.

Otacílio Melgaço é oriundo das Minas Gerais,

Brasil.

Um certo Sanzio morria de vontade de ver

o papa; empenhara-se tanto que o levaram

à praça

pública um dia em que o Santo Padre por lá

passava; o rapazinho empalidecia, arregalava

os olhos; diziam-lhe enfim: 'Penso que você está

contente, Raffaello?' Mas ele respondia, esgazeado:

'Que Santo Padre? Vi apenas cores!'

Otacílio Melgaço, antidogmático, duvida de

tudo, salvo do fato de ser o eleito da dúvida;

restabelece com uma mão o que destrói

com a outra e toma a inquietação como

a garantia de sua segurança: ele é um Artista.

Para corrigir uma indiferença natural, fui

colocado a meia distância entre a miséria e o sol.

A miséria impediu-me de acreditar que tudo

está bem sob o sol e na história; o sol me ensinou

que a história não é tudo.

Mudar a vida, sim, mas não o mundo

do qual eu fazia minha divindade. Foi assim,

decerto, que cheguei a esta carreira (des?)confortável

em que estou, engajando-me com inocência numa

corda-bamba (em que avanço). Em outras

palavras, tornei-me um artista, se é verdade

que não há arte sem recusa nem

consentimento.

Autordenamento:

fazer baixar um grande silêncio fabuloso

que transfigura tudo:

o porvir.

Otacílio Melgaço

1- É

2- Um

3- Artista

4- Autodidata.

Bastam tais 4 palavras

como absoluto e irremediável compêndio do que

dele deve seu público ter (incons)ciência.

Personne n'est plus proche de

l'immortalité que
un cadavre...

Num outro dia, o pequeno Miguel, que pretendia

abraçar a carreira das armas, sentado ao pé de

uma árvore, deleitava-se com um romance de

cavalaria quando, de repente, um estrépito de

ferragens punha-o em sobressalto: era

um velho louco

da vizinhança, um fidalgote arruinado que

cabriolava sobre um rocinante e apontava

sua lança enferrujada

contra um moinho. No jantar, Miguel, o pequeno

Cervantes, contava o incidente com trejeitos tão

engraçados e bem-feitos que provocava

um riso louco

em todo mundo;

porém mais tarde, só em seu quarto, jogava o

romance no chão, pisava-o e soluçava longamente.

Otacílio Melgaço: "Comprazi-me em minha

obscuridade, almejava prolongá-la, torná-la

um mérito meu."

Essas crianças

- Raffaellos, Miguéis, talvez Melgaços... -

viviam no erro: acreditavam agir

e falar ao acaso, quando suas menores considerações

tinham como escopo real anunciar o seu Destino.

 

O. - Nulla Dies Sine Linea - M."

 

P.S.P.

 

Post Scriptum

 

"Se alguém se introduzisse em minha cabeça aberta

a todos os ventos, encontraria uma rosa denominada

rosarosarosamrosaerosaerosa."

O.M. é, sobretudo, devoto de São João (Guimarães Rosa)

 

Post Post Scriptum

 

" '- O que o senhor acha que os críticos 

negligenciaram em sua obra?'

'- O que há de cego e instintivo em mim afirma:

nada!' "

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