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Excerto de recente entrevista ainda eletronicamente inédita concedida por Otacílio Melgaço ao musicólogo argentino Pablo Suarez Paz (virtual conexão Belo Horizonte/Buenos Aires):

 

(…) " – É fato que não há no senhor o mínimo voluntarismo para discorrer sobre si mesmo. Dados biográficos, formação musical e o que mais haja do gênero parecem ser temas enfadonhos à sua pessoa. Tentamos abordar Otacílio no ofício de várias artes (literatura, fotografia, cinema etc) mas, insisto, quem é Melgaço como Compositor contemporâneo?"

 

“- Um Errático.

Autodidático.

Antiparafraseático...

Valéry definia Degas como ‘o fantasma no espelho’. Sou ‘o fantasma do espelho’..."

 

“Conte-nos um pouco sobre meandros de sua estilística. A abordagem do minimalismo, por exemplo.”

 

“Pensemos a respeito de um dos seus possíveis micromeios, microscopizemos o minimal: a repetição. A repetição. Repetição, segundo Barthes, é uma característica da cultura. Em seu ‘Esta coisa antiga, a arte...’, reiterava: ‘a repetição é uma característica da cultura. Quero dizer com isso que se pode utilizar para propor uma certa tipologia das culturas. As culturas populares ou extra-européias (dependendo de uma etnografia’, reflito sobre o Oriente e uma - quimérica? - orientalidade brasílica) ‘a admitem, essa repetição dá-lhes um sentido e as transforma em fonte de prazer; a cultura sábia do Ocidente, não (mesmo que, mais do que se crê, tenha recorrido à repetição, na época barroca).’ Vejamos a arte pop. ‘A arte pop repete espetacularmente. O objetivo dessas repetições (ou da Repetição como procedimento) não é apenas a destruição da arte, mas também (o que é um resultado) uma outra concepção do ser humano: a composição, na verdade, dá acessso a uma temporalidade diferente: onde o sujeito ocidental ressente a ingratidão de um mundo de onde o Novo – isto é, em suma, a Aventura – está excluído, o sujeito warholiano (já que Warhol é um habitué dessas repetições) nele suprime o patético do tempo, porque esse patético está sempre ligado ao sentimento de que algo surgiu, vai morrer, e que só se poderá lutar contra sua morte transformando-o em um segundo algo que não se assemelhe ao primeiro. Para a arte pop, é importante que as coisas sejam ‘terminadas’ (bem delineadas, nada de evanescências), mas, não é importante terminá-las, dar à obra (e será uma obra?) a organização interna de um destino (nascimento, vida, morte). É, pois, necessário desaprender o tédio do ‘sem fim’. A repetição incomoda a pessoa (esta entidade clássica) de uma outra maneira: ao multiplicar a mesma imagem, a pop vai ao encontro do tema do Duplo, do Doppelganger; é um tema mítico (a Sombra, o Homem, a Mulher sem Sombra).’ Encaro a repetição do minimal melgaciano doppelgangermente... Contudo, ao contrário do que almejo, ‘nas produções da arte pop, o Duplo é inofensivo: perdeu todo seu poder maléfico ou moral: não ameaça nem fiscaliza: é Cópia e não Sombra: está ao lado e não atrás: é um Duplo banal, insignificante, logo irreligioso.’”

 

“Em mãos trago atualização minha de um epitáfio adaptado pelo senhor sobre Otacílio Melgaço, não me recordo de quem é a autoria exata. Com ar picaresco, confessa que: ‘Mata-se de paixão ou morre de preguiça, se vive, é só de vício; e deixa apenas isso: Não nasceu por nenhum lado e foi criado como mudo, tornou-se um arlequim-guisado, mistura adúltera de tudo. Tinha um não-sei-que, sem saber onde; ouro, sem trocado para o bonde; nervos, sem nervo; vigor sem ‘garra’; alma, mas sem bastante fome. Muitos nomes para ter um nome. Idealista, sem idéia. Rima rica, sem matéria-prima; de volta, sem nunca ter ido; se achando sempre perdido. Poeta, apesar do verso; artista sem arte, ao inverso; filósofo – vide-verso. Um sério cômico, sem sal. Ator: não soube seu papel; pintor, do-ré-mi-fá-sol; e músico: usava o pincel. Uma cabeça! Sim, de vento; muito louco para ter tento; seu mal foi singular de mais. Seus pés quebrados, pés demais. Avis rara – mas de rapina; macho... com manha feminina; capaz de tudo, bom pra nada; com certeza, por certo errada. Pródigo como o filho errante do Testamento, herança vacante. Rebelde, e com receio do lugar comum não saía do lugar. Colorista sem cavalete; incompreendido... –  abriu o peito; chorou, cantou em falsete; e foi um defeito perfeito. Não foi alguém, nem foi ninguém. Seu natural é o ar bem posto, em pose para a posteridade; cínico, na maior ingenuidade; impostor, sem cobrar imposto. Seu gosto está no desgosto. Ninguém é mais igual, mais gêmeo – irmão siamês de si mesmo. Vê-se a si próprio ao microscópio: micróbio de seu próprio ópio. Viajante de rotas perdidas, S.O.S. sem salva-vidas... Muito cheio de si para aturar-se, cabeça ‘alta’, espírito ativo, finda, sem saber findar-se, ou vivo-morto ou morto-vivo.’ Aqui o Compositor?

 

" – Quiçá? Se bem me recordo: ‘...de coração sem cor, desacordado, um bem logrado malogrado.’ Cordisburguensiando-se...”

 

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