top of page

I

 

"A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas Age como um deus doente, mas como um deus. Porque embora afirme que existe o que não existe Sabe como é que as cousas existem, que é existindo, Sabe que existir existe e não se explica, Sabe que não há razão nenhuma para nada existir, Sabe que ser é estar em um ponto Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer."

 

II

 

Mais uma surpresa do "Viejo Brujo": sua recente mensagem dirigida a Fernando Pessoa (FP). Acreditamos que se Borges (JLB) tivesse conhecido a poesia de Álvaro de Campos nos anos passados em Genebra (1914-1920), com certeza ele estaria incluído no elenco sempre mencionado de suas leituras em língua portuguesa: Camões, Eça de Queirós e Euclides da Cunha. Desta mesma Genebra da adolescência JLB chega, em janeiro de 1985, à intuição de FP, numa mensagem que os aproxima por meio de um singelo e veemente pedido: "juntos hemos compartido tus versos; déjame ser tu amigo". Uma amizade que começa, de fato, como diálogo textual nas origens literárias dos dois poetas. Ainda um cosmopolitismo marcado pela educação em língua inglesa e pela adolescência passada longe de suas cidades de origem: FP (1888) em Durban e JLB (de 1899) em Genebra. Em retorno poético e físico a Lisboa e Buenos Aires, respectivamente ( em especial na poesia de Alvaro de Campos, e em Fervor de Buenos Aires). Em ambos, a influencia de Whitman, que JLB descobrira em Genebra, na tradução alemã de Johannes schlaf. A metáfora de Buenos Aires, reconstruida por JLB, aspira à visão mítica, totêmica. Recuperando o discurso histórico com a introdução de temas que pertencem à tradição de Buenos Aires: seus cemitérios, estátuas, heróis, ditadores, tradições gauchas, JLB transfigura a história em mito. Assim, os processos de repetição especular, da cidade como labirinto, visam chegar a uma perspectiva unitária e eterna da urbe. Em contraposição, FP sugere uma perspectiva fragmentária da cidade. E, se o espelho em JLB serve para reconfirmar o princípio da identidade arquetípica ("Los espejos y la cópula son abominables, porque multiplican el número de los homebres"), em Álvaro de Campos se dá justamente o processo inverso: Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim.
("Lisbon revisited")
O princípio da identidade borgeano desloca-se para o principio da alteridade  em Pessoa, cuja percepção do mundo é fragmentária: "compreendo a intervalos desconexos". Nesta cartografia poética, traços comuns de poesia urbana, própria da estética das vanguardas de inicio do seculo. Hoje, nesta evocação a FP, testemunhamos o fraternal encontro de dois clássicos, unidos, entre outras coisas, pelas origens lusitanas, e pelo fato de serem clássicos. Mesmo que isso lhes tenha ocorrido à revelia. "O sangue dos Borges de Moncorvo e dos Acevedo (ou Azevedo), sem geografia, podem me ajudar a te compreender, Pessoa. Nada te custou renunciar às escolas e aos seus dogmas, às vaidosas figuras de retórica e ao trabalhoso empenho de representar um país, uma classe ou uma época. Talvez nunca pensaste em teu lugar na história da literatura. Tenho certeza de que te assombram estas homenagens sonoras, de que te assombram e de que as agradeces, sorridente. És agora o poeta de Portugal. Alguém, inevitavelmente, pronunciará o nome de Camões. Não faltarão as datas, caras a toda comemoração. Escreveste para ti, não para a fama. Juntos, compartilhamos teus versos; deixa-me ser teu amigo."

Genebra, 2 de janeiro de 1985

 

III

 

(...)

"[O.M.] Mas você tinha razão. Nossa conversação conduziu-me a um resultado interessante.
[P.S.P.] Agora está na minha vez de ser instruído - uma alternância, que unicamente o genuíno convívio assegura.
[A.] Você me abriu um caminho através da dúvida sobre o valor do prazer. Compreendo agora que nossa existência originária, se posso exprimir-me assim, é prazer. O tempo nasce com o desprazer. Por isso, todo desprazer é tão longo e todo prazer tão breve. Prazer absoluto é eterno - fora de todo tempo. Prazer relativo, mais ou menos um único momento indiviso.
[B.] Você me entusiasma - apenas alguns passos e estaremos na altura do mundo interno.
[A.] Sei quais passos você quer dizer. Desprazer é, como o tempo, finito. Todo finito nasce do desprazer. Assim nossa vida.
[B.] Tomo seu lugar - e prossigo. O finito é finito - O que permanece? Prazer absoluto - Eternidade - Vida incondicionada. E o que temos nós a fazer no tempo, cuja finalidade é auto-consciência da infinitude - ?
Pressuposto, que ele tenha uma finalidade, pois bem se poderia perguntar se não é exatamente a ausência de finalidade que caracteriza a ilusão!
[A.] Isso também - no entanto que devemos nós procurar operar? Metamorfose do desprazer em prazer e com ela do tempo em eternidade, pela arbitrária separação do espírito, da consciência da ilusão como tal.
[B.] Sim, caro, e aqui nas colunas de Hércules abracemo-nos, no gozo da convicção de que junto a nós está a vida como uma bela, genial ilusão, como um soberbo espetáculo a contemplar, de que aqui já podemos estar em espírito em absoluto prazer e eternidade, e de que exatamente a antiga queixa, de que tudo é perecível, pode, e deve, tornar-se o mais jubiloso de todos os pensamentos.
[A.] Essa visão da vida como ilusão temporal, como drama, possa ela se tornar para nós outra natureza... Quão depressa então passaremos voando sobre horas turvas, e quão excitante nos aparece assim a transitoriedade. ...como um soberbo espetáculo a contemplar, de que aqui já podemos estar em espírito em absoluto prazer e eternidade..."

(...)

 

IV

 

"O uno é o múltiplo e o múltiplo é o uno." "Deus e o mundo são arte - arte é ciência e ciência é arte." "Deve haver uma relação entre o criador e o que usufrui - viver é criar com e para a humanidade." "Cada homem é um artista - a estética é o ser humano." "Conceito ampliado de arte - arte é a vida."

 

V

 

"Como o dia depende da inocência, 

o mundo inteiro depende de teus olhos puros." 

 

"Buenos Aires / Diário Mínimo

'Vive, dizes, no presente,
                    Vive só no presente.

                    Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
                    Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

                    O que é o presente?
                    É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
                    É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
                    Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

                    Não quero incluir o tempo no meu esquema.
                    Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
                                    como cousas.
                    Não quero separá-las de si-próprias.'

 Hoje de manhã saí muito cedo,
                       Por ter acordado ainda mais cedo
                       E não ter nada que quisesse fazer...

                       Não sabia qual caminho tomar
                       Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
                       E segui o caminho para aonde o vento me soprava nas costas.

                      (Assim tem sido sempre a minha vida, e
                       assim quero que possa ser sempre —
                       Vou aonde o vento me leva e não me
                       Sinto pensar.)

E o vento (me) levou (a) Pablo Suarez Paz.

Pablo Suarez Paz é portenho, nascido a 09 de Novembro de 1964.

Suponho eu - formado em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, tornou-se recôndito e por isso inspirado profissional liberal. Talvez à própria revelia, quiçá como um disfarce convivencial que o livraria de quaisquer ribaltas, a ele (tanto quanto a mim!), asfixiantes... Aposentado, é um homem tímido, de poucos e poucas convivas, por isso, insurgentemente escorregadiço. Sendo assim: improtelável sósia melgaciano, nos demos (demoníacos nós?) muito bem desde que fomos apresentados, inadvertidos, por um amigo em comum: o Esteves com metafísica. Ortodox'enário: tarde de chuva ácida na tergiversante Capital do tango, ao fundo 'contrabajisimo' mecânico em um Café de tonalidade âmbar: ambos insólitos Homens perfurando o Tempo. Prospectivos, mais tarde: Gêmeos.

Outra sutil caeira metáfrase: ...estas verdades não são perfeitas porque são ditas.
                      E antes de ditas pensadas.
                      Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias.
                      Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
                      A única afirmação é ser.
                      E ser o oposto é o que (não?) queria de mim.

Musicólogo diletante, o Senhor Paz provavelmente se debruçou sobre tal hermenêutica artística por ter tido o pai - além de operário - violonista, e, a mãe - além de tecelã - cantora. Convictos amadores apostólico-praticantes ligados às raízes da phonepifania que gerou Gardel e Piazzolla... (diga-se de passagem: conhecia pessoalmente Astor. Creio que sempre sonhou em ser convidado pelo bandoneonista a pescar tubarões em alto mar... 'Composiciones musicales hechas en esta circunstancia, merezca la soledad entera', justifica, altivo, o próprio Pablo). A paixão visceral dos progenitores, num arcabouço amador, terá sido o principal incentivo para que o cientista social Suarez se abstivesse da busca por meandros escolásticos nesse campo. Autodidáctil a um trânsito mais independente pelos veios do universo sonoro de seu país assim como - me provara depois -: de toda América do Sul e Alhures.

Exemplar consistente do que o escritor Antônio de Alcântara Machado falara a respeito de Buenos Aires quando lá/aqui esteve em 1935: 'Essa confusão de raças, de estilos, de culturas, de civilizações é uma confusão organizada, se faz em ordem, com trepidação sem atropelo. Um dinamismo disciplinado, uma alegria policiada. A cidade se interessa pelas coisas do espírito. Aqui o homem fez tudo. Já organizou uma nacionalidade. Há de saber construir uma cultura.'

Focalizando o Senhor Paz - seja a caminhar compassadamente pela Avenida de Mayo; a, jerárquico, orar (?) em Catedral Arquidiocesana; flanando finissecular pela rua Florida ou assentado, quase haikaísta, na Praça San Martín... - nota-se que estamos diante de uma autêntica construção humanístico-cultural argentina. A profecia do velho bruxuleante Machado se concretiza naquele alguém.

Cerca de 1 m e 73 cm de altura, não é alto; membros desaparentemente consistentes; cabeça - nada estreita - alonga-se ondulosa; cabelos grisalhos; olhos de um amendoado claro como às vezes os das crianças - parecem ser o véu que serve para proteger o que se quer manter em segredo; nariz extremamente espiritual - narinas adunco-sensíveis como as de um legítimo cão de caça: descrevo eu o Senhor Paz? Pablo deveria - em meu imaginário - possuir silhueta henribergsoniana - mais extaticamente próxima a Bernini que Rodin e, sobretudo, aura furta-cor... Ele, Pacífico Cicerone, peregrina, citadino, ao meu lado: é uma Escultura a ambular, deambular e perambular pelo argênteo 'País del Sur' que eu - O.M. - amo como se (Geo)Cenotáfio. Vejo-o como um quase Palomar calvinista: palmilha por La Boca, colheria cogumelos à la (urban) Cage?; galga Barracas, fitaria belicoso as hordas de pombos-em-gris?; taciturno por Cabildo em nostalgia hora zero libertanguera, tanguedia d'alma?; incógnito no Teatro Colón, enverga o inolvidável auscultar já colaço meu?; reticente no Museu Nacional de Belas-Artes, preferiria Francis Bacon aos Della Robbia?!. Não é um homem áspero porém aceita a brutalidade dos fatos, reitero: é portenho, o tal Pablo.

 Entre o que vejo de uma campo e o que vejo de outro campo (de visão)
                     Passa um momento uma figura de homem.
                     Os seus passos vão com 'ele' na mesma realidade,
                     Mas eu reparo para ele e para eles, e são duas cousas:
                     O 'homem' vai andando com as suas idéias, falso e estrangeiro,
                     E os passos vão com o sistema antigo que faz pernas andar.
                     Olho-o de longe sem opinião nenhuma.
                     Que perfeito que é nele o que ele é — o seu corpo,
                     A sua verdadeira realidade que não tem desejos nem esperanças,
                     Mas músculos e a maneira certa e impessoal de os usar.

Habita até aos dias atuais a cidade-bairro de Quilmes. Tentei respirar aqueles ares por meus pulmões vítreos; descubro que o Senhor Paz fôra tuberculoso em sua juventude. Torno-me, instantaneamente, o primeiro/último inarredável solidário perenal àquele epígono de S.-J. Perse, propedêuta de Epicteto, recitador de F. Ponge, apontamentista de G. D'Annunzio, detrator de D. Ghirlandaio, comparsito de J.L. Borges e, afora desmesurado amor pelos russos todos, também devoto de São João (Guimarães Rosa). Fraternuro eu. Cúmplices de torvelinhos nós... Dias antes (eu inda em tanguero Sursis) acabara ele de ganhar dois caninos filhotes da raça dálmata. Tive em presente data o privilégio de batizá-los: Cali e Gula.

Sim, antes de sermos interior somos exterior.
                   Por isso somos exterior essencialmente?

                   Seja o que for que esteja no centro do Mundo,
                   Deu-me o mundo exterior por exemplo de Realidade,
                   E quando digo 'isto é real', mesmo de um sentimento,
                   Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior,
                   Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim.

                   Ser real quer dizer não estar dentro de mim.
                   Da minha pessoa de dentro não tenho noção de realidade.
                   Sei que o mundo existe, mas não sei se existo.
                   Estou mais certo da existência da minha casa branca
                   Do que da existência interior do dono da casa branca.
                   Creio mais no meu corpo do que na minha alma,
                   Porque o meu corpo apresenta-se no meio da realidade.
                   Podendo ser visto por outros,
                   Podendo tocar em outros,
                   Podendo sentar-se e estar de pé,
                   Mas a minha alma só pode ser definida por termos de fora.
                   Existe para mim — nos momentos em que julgo que efetivamente
                           existe —
                   Por um empréstimo da realidade exterior do Mundo.

Se é mais certo eu sentir
                   Do que existir a cousa que sinto —
                   Para que sinto
                   E para que surge essa cousa independentemente de mim
                   Sem precisar de mim para existir,
                   E eu sempre ligado a mim-próprio, sempre pessoal e intransmissível?
                   Para que me movo com os outros
                   Em um mundo em que nos entendemos e onde coincidimos
                   Se por acaso esse mundo é o erro e eu é que estou certo?
                   Se o Mundo é um erro, é um erro de toda a gente.
                   E cada um de nós é o erro de cada um de nós apenas.
                   Cousa por cousa, o Mundo é mais certo.

Muitos acreditam que somos a mesma Pessoa. Não é possível determinar se Otacílio Melgaço se faz passar por Pablo Suarez, o artista em interlocução-a-si (previno: com o mínimo de galhardia, fatalismo e libertinagem) ou, se é o Senhor Paz que está, neste instante, a escrevinhar tais palavras, bissexto escafon(o)drista teorizado em claves de Sol, Fá, Dó...inventando e inventariando - nenhures as chaves de - um títere bufiniquim, autômato mineiro-geralista para insuflar blagues nos audiocrentes (verídicos ouvidores de obras discográficas 'de se pegar' e crescentes admiradores!!.como exegesiar?!.) que já há aos quatro ventos e cantos.

Pero, para nuestra suerte o deterioro,

a pesar de nosotros nutrimos 

tal mitología desconcertada e histriónica,

así como

Yo, Él

hay: ha.

Ainda ouço P.S.P., inconjunto, a sussurrar-me:

' - Yo también sé hacer las conjeturas. 
Hay en cada cosa eso que se anima. 
En la planta está por fuera y es la ninfa pequeña. 
En el animal, interior distante. 
En el hombre es el alma que vive con él y ya es él. 
En los dioses el mismo tamaño tiene 
Y el mismo espacio que el cuerpo 
Y es la misma cosa que el cuerpo.'

Se corpóreos, somos quebradoiro alter ego Um d'Outro, costumava eu atentar em ulteriores inaugurais missivas. Contudo: uma condição capital: que não houvesse descolamentos; que o embaço fosse vertiginoso às lentes alheias; quebra-cabeça não a ser refeito - peça por peça - mas sim - pé ante pé - impossível de desfeito ser.

{Capitular, Recapitular ou Brevitinerário em 11 vergéis... 

1 -  Perscrutar a terceira margem do Rio da Prata;

2 - Mitificar a Pirâmide de Mayo e todas as mães refletidas nos espelhos d’água de minhas íris;

3 - Reperegrinar pelas ofegantes livrarias da Calle Florida/Rematizar as cores fauve das casas d' La Boca;

4 - Assumir-me dândi em Recoleta e seus conventuais antiquários (reiteração a spleen melgaciano) sem olvidar o oásis frugal da 'gelateria' Freddo;

5 - Polemizar Caminito (e Señor Tango e El Viejo Armacén e La Ventana e...);

6 - Sodomizar Catedral Metropolitana;

7 - Vexatoriar Casa que me parecia excessivamente Rosada.

Às vezes com às vezes sem o consentimento de meu (ainda pacífico?) anfitrião.

Com ele, flanar por... 

8 - ...San Telmo (e sua feira de antigüidades dominical, dominicanina?);

9 - ...Porto Madero (e seu complexo de armazenagem dos turistas acidentais);

10 - ...Palermo (em sua monumentalidade idílica, cadavrexquisita).

Por fim:

11 - Numa Milonga (hall em que o tango é coreografado todos os dias em variegados horários), entre refeição e outra (parrillada?) - discutir sobre as músicas brasileira/argentina - suas paranóico-arquetipias - tendo, defronte, um bom esgrimista verbal a me deliciar com a revelação do que é o Lunfardo, gíria marginal que figura em várias letras do cancioneiro portenho.

(Rosa, ó pura contradição, prazer de ser o sono de ninguém sob tantas pálpebras...)}

O universo não é uma idéia minha.
                          A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
                          A noite não anoitece pelos meus olhos,
                          A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
                          Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
                          A noite anoitece concretamente
                          E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

E, não mais que de repente: se fez noite...

Obscuros Pactários perseveramos em frátria fricção: metamorfoseou-se, por venial direito, em Eleito. Somente a Ele, Don Paz, confiaria minha estorvante, corsária, anacrônica, esfingética Fortuna (...Crítica).

Era noite quando nos despedimos...

Era noite. A noite era muito escura. Numa casa a uma grande distância
                Brilhava a luz duma janela.
Vejo-a, fresca em minha memória, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
                É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que sei quem é,
                Atrai-me só por essa luz vista de longe.
                Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.

Mas agora só me importa a luz da janela dele.
                Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
                A luz é a realidade imediata para mim.
                Eu nunca passo para além da realidade imediata.
                Para além da realidade imediata não há nada.
                Se eu, de onde estou, só vejo aquela luz,
                Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
                O homem Pablo Suarez Paz e a família dele são reais do lado de lá da janela.
                Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
                A luz apagou-se.
                Luz na Luz, continuemos a existir!

 

P o s t   S c r i p t u m

Vôo. Retorno condoreiro aos Gerais. Eu acossado em Aeronave que põe ovos-de-ferro e o Sol negro me bate na cara e me ofusca. E eu só a pensar no Sol.

 

"O artista é a eternidade que se projeta sobre o presente."

(Rainer Maria Rilke)

 

Depoimento concluído em vernacular doce lar cordisburguense; quas'outono,

 

Otacílio

Melgaço

bottom of page