Setesão
as peças teatrais do dramaturgo
Ot a c í l i o Me l g a ç o
- Trilogia I -
[Gewollt
Her(r)envolk
Anatomia de um Enigma]
- Trilogia II -
La Sangre es más dulce que La Miel:
[A Vida
Os Pobres na Praia
Os Saltimbancos]
Stabat Mater
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Dunamisergon
T e s e
A arte dionisíaca leva-nos a encarar com confiança
os horrores da existência, tendo empatia pelo primordial em sua ira pela vida e seu terror ao ameaçar a destruição. Nietzsche, segundo Ronald Hayman, igualava o dionisíaco
à superabundância de energia criativa, que fomenta
"o desejo por destruição, mudança e vir-a-ser". Ou como Zaratustra pode dizer: "quem tiver de ser um criador,
em verdade, esse tem de ser antes um aniquilador e quebrar valores" (Assim falava Zaratustra, Segunda Parte,
"Da superação se si"). Num caderno de apontamentos de 1885, Nietzsche descreveu o dionisíaco como "aquele auge de alegria em que um homem pode sentir-se em apoteose, pode sentir que a natureza nele se justifica". Mas
"os escravos das 'idéias modernas'", os filhos de
uma época fragmentada, pluralista, doente, fantasmagórica (Fragmento póstumo 41 [6] de agosto/setembro de 1885), perderam a capacidade
de ser feliz que os gregos possuíam. Sem ela, estes não poderiam ter participado dos festivais dionisíacos: a alma helênica floresceu sem nenhuma necessidade de exaltação mórbida ou loucura. E num caderno de apontamentos que manteve de março a julho de 1888, o último ano de sua sanidade, Nietzsche define dionisíaco como ímpeto
à unidade, um remanejamento radical sobre pessoa, cotidiano, sociedade, realidade, sobre o abismo do perecer: o passionalmente doloroso transporte para estados mais escuros, mais plenos, mais oscilantes;
o embevecido dizer-sim ao caráter global da vida como que, em toda mudança, é igual, de igual potência, de igual ventura; a grande participação panteísta em alegria e sofrimento, que aprova e santifica até mesmo as mais terríveis e problemáticas propriedades da vida; a eterna vontade de geração, de fecundidade, de retomo;
o sentimento da unidade da necessidade do criar e do aniquilar. (Fragmento póstumo 14 [14] da primavera de 1888). Dizer que Nietzsche cultivava a divisão em si mesmo
é dizer que conscientemente corria o risco da destruição, da desintegração."O Dioniso cortado em pedaços é uma promessa de vida: eternamente renascerá e voltará da destruição" (Fragmento póstumo 14 [89] da primavera de 1888). Como Plutarco explicou em seu relato desse mito da criação, alternativo, o deus foi desmembrado, mas
suas partes foram distribuídas ao vento, à água, à terra,
às estrelas, aos planetas, aos animais. A história serve de base para alegorias sazonais, em que a destruição invernal e a morte são seguidas pela regeneração, mas para
um homem era perigoso imitar um deus. Designando-se
um iniciado de Dioniso, Nietzsche expõe "a filosofia
desse deus", que com freqüência pensa em como ajudar
o homem a ir adiante "e fazê-lo mais forte, mais
perverso e mais profundo do que é". (O cinismo contrabalança o sentimentalismo de acreditar numa divindade benevolente). Apresentando o pensamento
como nada além de uma relação entre vários impulsos, Nietzsche tinha de pintar-se num estado de dispersão dionisíaca. Dioniso era o deus das máscaras (ou personae) e, para falar através delas, Nietzsche
precisava de uma variedade de vozes.
Sem uma máscara, não se tem nenhum rosto para apresentar; e é somente através das máscaras que
se pode falar bem alto o que se aprendeu?
Jamais se pode remover a máscara, a menos que exista uma outra máscara por detrás?
Escrevo peças teatrais não para revelar mas para esconder o que está em mim, o que sou em mim?
Um deus vem ao mundo e se aloja numa pessoa. Primeiro é apenas uma voz, um conhecimento, ou ainda uma ordem que pesa sobre essa pessoa. Ameaçador ou suplicante, repelente, mas também excitante. Ele se faz notar cada vez mais até a pessoa sentir sua força, até aprender a amá-lo, a fazer sacrifícios por ele, levando-a a uma devoção extrema, a um vazio total. Uma vez atingido esse vazio,
o deus se apodera dessa pessoa, realizando seus atos por meio das mãos dela, após o que a abandona, deixado-a vazia, consumida, sem possibilidade alguma de continuar
a viver neste mundo. O espelho está quebrado mas o que refletem os pedaços? A barcarola é a suavidade da morte? No hallé cosa en que poner los ojos que no fuese recurdo de la murte... O ser humano tem dentro de si sua própria Santidade, que é deste mundo e não tem explicação fora dele, parola Ingmar Bergman. Na Grécia antiga o Teatro estava indissoluvelmente ligado aos ritos religiosos. Os espectadores reuniam-se muito antes do nascer do sol. Ao raiar da aurora, os sacerdotes entravam em cena fazendo uso de máscaras. O palco, assim como um pequeno altar nele colocado, ficava iluminado pelo sol. O sangue do animal imolado era recolhido num prato enorme. Um sacerdote com uma máscara divina, dourada, mantinha-se escondido atrás de outros sacerdotes. Depois, quando o sol já ia mais alto, num momento preciso, dois dos sacerdotes erguiam o prato
a fim de que os espectadores pudessem ver a máscara divina, dourada, refletida no sangue. Uma orquestra de tambores e flautas tocava, e os sacerdotes cantavam.
Por fim, o sacerdote oficiante baixava
o prato e bebia o sangue.
Encantei-me dramaturgo, quiçá, por,
tenden...cio...samente báquico,
heresiar dura lex:
“É proibido inclinar-se para o interior...”
Inclino-me e bebo o sangue, e os convido
(ou ordeno?) a fazer o mesmo,
dionisangue-seiva rubro-dourada, divina...
...mais dulce, doce que o Mel...