top of page

 

SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram. GLAUCO - Necessariamente. SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria se se livrassem a um tempo das cadeias e do êrro em que laboravam. Imaginemos um dêstes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sôbre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõem agora que, apontando-lhe alguem as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados? GLAUCO - Sem dúvida nenhuma. SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados? GLAUCO - Certamente. SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera?  Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais? GLAUCO - A princípio nada veria. SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia. GLAUCO - Não há dúvida. SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é. GLAUCO - Fora de dúvida. SÓCRATES - Refletindo depois sôbre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões. SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo a sorte dos que lá ficaram? GLAUCO - Evidentemente. SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia? GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga. SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas? GLAUCO - Certamente. SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa – porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade – tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discução com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera apena o esfôrço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto? GLAUCO - Por certo que o fariam. SÓCRATES - Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes haviamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumia é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos...

 

Desde Platão, o logos científico ocidental jogou um véu negro sobre o sensível e a imagem, em prol do inteligível. Hoje, a tentativa é de apreender um sentido próprio do visível, de se interrogar sobre a possibilidade de um discurso falar do sensível sem anular sua alteridade. De fato, o sensível não está fora da linguagem: a linguagem não é um meio homogêneo, ela é fracionada porque exterioriza o sensível em presença como objeto, mas também porque remete o icônico ao articulado. (...) Imagem não é outra coisa senão a leitura que dela se faz? Por que não é o reflexo de um objeto, mas a imagem do trabalho de produção da imagem, campo de força atravessado por múltiplas configurações? A capacidade de ler uma imagem na nossa cultura industrial é tão importante quanto a de ler um texto. Hoje, uma espécie de analfabetismo visual atinge os espectadores, constantemente confrontados com imagens que se articulam sobre o conjunto de agenciamentos de enunciação, cujo desenho forma uma cartografia multidimensional, produtora de subjetividade. Cada um de nós enfrenta, em seu quotidiano, imagens multíplices, a que é convidado a responder, desejar, refutar, consumir, ler, digerir, suportar, fabricar. Torna-se cada vez mais imperativo o exame das diversas condutas assumidas diante das imagens, já que elas não têm existência autônoma em relação à postura do espectador. Quanto aos domínios de produção e investigação da imagem, é necessário um enfoque capaz ao mesmo tempo de situar a imagem e restituí-la ao conjunto da cultura que nos formula, cultura cada vez mais audiovisual e multimidiática. (...) A imagem se dá enquanto campo de força, instável e mutante, de representação cultural, a saber: configuração de atividades sociais; construção de novas formas de espaço-tempo;

produção de conhecimento...

 

Entretanto o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. (...) Um dia, há muito tempo, encontrei uma foto do irmão mais novo de Napoleão, Jerôme (1852). Disse então para comigo, com um espanto que, desde então, nunca consegui reduzir: ‘Vejo os olhos que viram o Imperador.’ Por vezes falava desse espanto, mas, como ninguém parecia partilhá-lo nem sequer compreendê-lo (a vida é feita assim de pequenas solidões), esqueci-o. O meu interesse pela fotografia tomou um carácter mais cultural. Declarei que preferia a Fotografia ao Cinema, do qual, todavia, não conseguia separá-la. Esta questão persistia. Sentia pela fotografia um desejo ‘ontológico’: queria, a todo custo, saber o que ela era ‘em si’, por que característica essencial se distinguia do conjunto das imagens. 

 

Tal desejo significava que, no fundo, para além das evidências provenientes da técnica e da utilização e apesar da sua formidável expansão contemporânea, eu não estava seguro de que existisse, de que ela dispusesse de um ‘gênio’ próprio. (...) A fotografia pode ser sensata se seu realismo permanece relativo, temperado por hábitos estéticos ou empíricos; insana, se esse realismo é absoluto e, se assim podemos dizer, original, fazendo voltar à consciência amorosa e assustada (...) do Tempo: movimento propriamente revulsivo que inverte o curso da coisa e que eu chamarei (...) de êxtase fotográfico. (...) Sob tal ponto de vista, por que escolher (fotografar) um determinado objeto, um determinado instante, em vez de um outro? A fotografia é inclassificável porque não há qualquer razão para marcar esta ou aquela das suas ocorrências; ela gostaria, talvez, de se tornar tão espessa, tão segura, tão nobre como um signo, o que lhe permitiria alcançar a dignidade de uma língua; mas, para existir signo, é necessário haver marca; privadas de um princípio de marcação, as fotos são signos que não se fixam bem, que se alteram... Seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja a sua maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que nós vemos. Repunctuando minha retórica em mais singela visionaria: na fotografia existe um novo tipo de plasticidade, produto das linhas instantâneas tecidas pelo movimento do objeto.O fotógrafo trabalha em uníssono com o movimento, como se este fosse o desdobramento natural da forma como a vida se revela. No entanto, dentro do movimento existe um instante no qual todos os elementos que se movem ficam em equilíbrio. A fotografia deve intervir neste instante, tornando o equilíbrio imóvel.  

 

O olhar do fotógrafo está, delirioso, constantemente avaliando... 

 

Um fotógrafo pode captar a coincidência de linhas simplesmente ao mover a cabeça uma fração de milímetro. Pode modificar a perspectiva com um leve dobrar de joelhos. Ao colocar a câmara próximo ou distante do objeto, pode desenhar um detalhe - ao qual toda a imagem pode ficar subordinada ou ainda que tiranize quem faz a foto. De qualquer modo, o fotógrafo praticamente a compõe no mesma duração de tempo que leva para apertar o disparador, na velocidade de um ato reflexo. 

 

Algumas vezes acontece de o fotógrafo paralisar, atrasar, esperar para que a cena aconteça. Outras vezes, há a intuição de que todos os elementos da foto estão lá, exceto por um pequeno detalhe. Mas que detalhe? Talvez alguém repentinamente entrando no enquadramento do visor... O fotógrafo, então, acompanha seu movimento através da câmara. Espera, re-espera e transespera, até que finalmente aperta o botão - e então, ei-la!: a sensação de que captou algo (embora não saiba exatamente o quê). Mais tarde, no laboratório, ele faz uma ampliação da foto e procura nela as figuras geométricas que aparecem à análise e se dá conta, portanto, de que foi feita no instante decisivo. Instintivamente fixou um padrão (geométrico...) sem o qual a foto estaria sem forma e sem vida.

 

A composição deve ser uma de suas pre-ocupações, mas no ato de fotografar isto só acontece a partir da  intuição, já que ele está ali para captar o momento fugidio e todas as relações dos elementos que compõem a cena e que estão em movimento. (...) O único compasso que o fotógrafo tem são seus próprios olhos... Unicamente seus? (...)  

 

A fotografia não mudou desde a sua origem, exceto em aspectos técnicos, o que, para mim, não constitui preocupação maior. Parece ser uma atividade fácil: é uma operação diversa e ambígua, em que o único denominador comum entre os que a praticam é o instrumento. O que escapa deste gravador não escapa às contingências econômicas de um mundo de desordens, às tensões cada dia mais intensas e às conseqüências ecológicas mais insensatas. A fotografia ‘fabricada’ ou representada não me concerne. E se faço um julgamento, será apenas de ordem psicológica e sociológica. Há os que a fazem preparada de antemão e os que vão à descoberta da imagem,surpreendendo-a, surpreendendo-se, surpreendendo-nos...  Joaoguimaraeserosianamente, a câmara é para mim um bloco de notas; instrumento da intuição e da espontaneidade; ´maestra´ do instante que, em termos visuais, questiona e decide ao mesmo tempo. Para ‘revelar’ o mundo é preciso sentir-se implicado no que se enquadra através do visor. Essa atitude exige senso de geometria, sensoriabilidade e disciplina de espírito... É através de uma grande economia de meios que chegamos à sensibilidade de expressão. Deve-se sempre fotografar com o maior respeito ao sujeito e a si próprio. Fotografar é segurar o fôlego à medida que todas as nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugidia; é quando a captura da imagem representa uma grande alegria física, intelectual e anímica. Fotografar é, num mesmo instante e numa fração de segundo, reconhecer um fato e a organização rigorosa dos continentes e conteúdos percebidos visualmente que exprimem e significam esse fato... No que me concerne - mental, ocular, emotivamente... -, fotografar é uma ´forma-de-compreender' que  não pode se separar dos outros meios de expressão... É uma forma de gritar, de se liberar e não de provar ou de afirmar sua própria originalidade... É uma forma de viver!”

 

AD

OCULOS

UNUS ET MULTI IN ME

 

Platão/N-Imagem(rj)/R. Barthes/H. C. Bresson

em interferenciada bricolagem textuária

 

por Otacílio Melgaço

 

a-d-v-i-c-e: This site was specially made to be experienced not on Mobile Devices but on Desktops / laptops [browser zoom at 100%. in the case of notebooks, maybe 90% or 80%]. // For smartphones, tablets etc, use the following address: https://otaciliomelgaco.wixsite.com/mobileom (To

know more about it click here) or, in the browser of your cell phone,

just perform a simple adjustment: you get to 'Site Settings' and activate 'Computer Version'. | Este site foi especialmente criado para ser experienciado não em Dispositivos Móveis mas em Desktops/laptops [zoom do navegador em 100%. No caso de notebooks, talvez 90% ou 80%]. // Para smartphones, tablets etc, utilize o endereço acima (Para saber mais a respeito, clique aqui) ou basta realizar, no navegador de seu aparelho celular, uma simples adequação: chega-se até ´Ajuste do Site´ e aciona-se ´Versão para Computador´.

bottom of page