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S U P L E M E N T O .

PHOTOZINE/virtual .

 

Natal, RN, Brasil / 11 de Setembro

Nº 17

 

Por Ana Machado

 

A

FOTO

PENSATIVA

 

Reproduzimos na íntegra a entrevista concedida pelo fotógrafo mineiro Otacílio Melgaço via e-mail.

O artista realiza a exposição ‘ANAGKE KAI CHRONOS’ em Belo Horizonte, MG –

de 07 de Outubro a 03 de Novembro na então Galeria ‘ La Brace ’ – Rua Paraíba, 1279, Bairro Savassi.

(Nossas perguntas e comentários foram enviados de antemão)

 

PZ - A princípio, ao ver pela imagem escolhida para o convite de sua Mostra, imaginei encontrar fotografias com forte influência de Sebastião Salgado, o que, agora vendo todas as imagens, percebo essa influência em algumas e em outras não, como se adquirissem outros significados quando todas em conjunto...

 

OM - Comecemos com Franz Marc que se referia ao objetivo da arte como “revelar a vida sobrenatural que existe por detrás de tudo, quebrar o espelho da vida para que se possa contemplar o verdadeiro rosto do Ser.” Quando as fotografias da Mostra em questão foram revivificadas por mim, não tinha Otacílio qualquer ciência da obra de Sebastião. Anos depois, ao assistir a entrevistas de Salgado e transvendo sua estilística parida sob o jugo das minúcias universadas pela arquetipia de Minas... tipia luzidílica, lucifeérica, compreende? ...eu passei a aceitar inquestionáveis mas, a meu ver, poucas confluências... “Creio que o antagonismo aparente entre sonho e realidade será resolvido por uma espécie de realidade absoluta – o surrealismo”, frase de André Breton. Um dentre vários exemplos: conceitos puramente imagéticos – para mim – tais como ‘sonho’ ou ‘realidade absoluta’, suponho, não fazem parte das contextualidades sócio-documentariais intrínsecas a Tião. A mim são fundamentais. Sobre sua outra observação: é verdade, há uma itinerante, metamorfoseante polissemia visual em ‘ANAGKE KAI CHRONOS’ se vislumbrada macro ou microcosmicamente, em conjunto ou fragmentos... Um Eterno Retorno ao Invisitado, tendência natural a tudo que engendro...

 

PZ - Como foi o processo de escolha das imagens para essa exposição? Ela se formou ao longo do tempo, ou foram fotografias já tiradas com esse tema ligando-as... É que às vezes, me parece, que são fotos tiradas em diversos momentos e às vezes não, que todas estão ambientadas em uma mesma circunstância.

 

OM - Ambas hipóteses não são mutuamente excludentes... Diria, ainda ecoando sua consideração: em mesma ambientação ‘espaço-temporal’ composta por diversos e diferentes momentos e ocasiões, cronologias e geografismos... Acredito que se uma fotografia é gerada hoje por mim e se tivesse eu – hoje – 120 anos, 120 anos e um dia teria a imagem em questão. Mais do que isso... se penso no somatório de minhas primaveras e das primaveras de quem ou ‘do que’ é, ali, con-figurado. E se dissesse a você que incomensuravelmente iria mais além porque... como poderia deixar de ‘contabilizar’ o transcorrimento – ontológico! – dos segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milênios... que substancializaram a existência dos meus antepassados - ainda, de algum modo, ‘inquilinados’ em mim ... – os trisavós dos bisavós dos avós daqueles que me germinaram..., meus e de quem é, em minha fotografia, ‘diafragmentado’?! Sei que sugiro retroagirmos a uma abstração adamkadmoniana: é o que exatamente estou fazendo agora! Também por essa razão, não costumo registrar o ‘quando’ nem o ‘onde’ de meus trabalhos, dados condenados à inconsistência e desvalia. Menção a De Chirico: “Uma obra de arte deve exprimir algo que não apareça na sua forma visível.” É isso!, voltemos às retumbâncias: tanto espacial quanto temporalmente – não há diferença entre ambos, o que vemos, no final das contas, é o iridescentemente invisível!

 

PZ - Você poderia falar um pouco sobre o título da exposição (“ANAGKE KAI CHRONOS” ou “Do Mel-em-Branca aos Vergéis Encantados”)?

 

OM - Preferiria emudecer... São ‘hipertextos’ a ser desbravados por cada um... Guimarães Rosa, onipresença em minha vida, está intimamente ligado ao título, subtítulo e poema-exegético que exponho aos transviajores por elegíaca exposição em galeria belorizontina ‘ La Brace ’.  Talvez esteja automelgacianamente versando ‘DESTINO E TEMPO’...e não o rosiano contrário. Quem conhece, com um pouco de propriedade, a saga de messer João... sabe do que se trata... Há um termo hebraico que caberia muito bem aqui – a indesfechar réplica: Vedok!

 

PZ - Sempre considerei as artes de um modo geral, especialmente a fotografia, como universais, que de uma maneira mais ampla rompe as barreiras de nacionalidades, línguas, culturas. Suas fotografias têm um sentido de Mineiridade, mas de alguma forma representam uma Universalidade...

 

OM - Um truísmo verediano: o Sertão está em toda parte... Toda (vou frisar a próxima palavra:) verídica Mineiridade é uma forma de Panteísmo...

 

PZ - Somos sujeitos da história, mas essa consciência nos escapa, em nossas próprias realizações, em relação a realizações anteriores, no mundo social. Olhando para essas fotos, sinto que algo nos escapou, algum conhecimento que nós, sujeitos desse tempo moderno, deixamos escapar, como se não tivéssemos dado continuidade ao curso da história, mas escolhido um desvio... Sartre citava que ainda não havíamos aprendido fazer funcionar em nosso próprio benefício, esse ‘perigoso instrumento que é próprio de alguns representantes do mundo animal, o Pensamento’, que nas suas imagens é revelado às vezes mais sutil, às vezes se torna imperioso, um questionamento à nossa própria época, aonde a nossa atual utilização do ‘pensamento’ tem nos levado. Suas fotografias me fazem sentir inerte diante de minha própria história, minha e da humanidade, das tradições e essas pessoas retratadas por você nos colocam justamente diante desse impasse, quais caminhos tomamos afinal... O que acha disso?

 

OM - “Tudo que está  morto palpita. Não apenas o que pertence à poesia, às estrelas, à lua, aos bosques e às flores, mas também um simples botão de calça a cintilar na lama da rua... Tudo possui uma alma secreta, que se cala mais do que fala”... Lirismos de Kandinsky... Tenho a impressão de que persigo o que vou apelidar de: ‘Pictoriedade do Silêncio’. ‘Pictoriedade do Silêncio’ poderia abarcar: 1) a pedra-de-toque à consciência anti-historicida; 2) a pensamentação cronoreimanencial – perdoe o termo; 3) o tomamento da Grande Vereda humanista, humanitária, humanizante (‘o que existe é o homem humano!’) posteriormente a reflexivos estatismos e extatismos já então... cinéticos e imprescindíveis... e mesmo inerentes ao ‘não-mais-impasse’...

Sobretudo ressalvo que nada!, absolutamente nada é impermeável à Perenidade!

 

PZ - Suas crianças têm posturas de velhos e os velhos têm posturas de crianças... O conjunto das imagens representa sempre uma dualidade – passado/futuro, infância/velhice, loucura/lucidez, movimento/estaticidade, vida/morte, enfatizados pelos altos contrastes, luz e sombra...

 

OM - Imagino haver em mim um pendor que esteja voltado ao dual e não à dualidade em si. Como um silogismo, desejo, mesmo involuntariamente, o enveredamento pela coisa terçada, triunvirática, a terceira margem – retomando Rosa. Explorar os extremos inalienáveis todos... em prol disso; ...se penso no lapidário que é a fotografia e em sua visceralidade luminescente..., vai daí: sim somos e seremos, enfim, plenamente heliocêntricos, compreende?

 

PZ - Suspeito que o olhar do espectador é convidado a questionar sobre a possibilidade ou impossibilidade de dominar seu próprio destino, em contrapartida, somos levados a buscar por sentidos da própria existência, convidados a uma ‘realidade’ da qual elas, essas personagens retratadas, são manifestações objetivas...

 

OM - Objetivas, objetuárias... Há também simultâneos anversos porque ao fazer alusão à ‘realidade absoluta’ de André – aliás deixo para você e seus leitores as interpretações cabais e deliriantes da conceitualidade bretoniana... Mas, voltando à fiação-da-meada: ao fazer alusão também ao título filelênico, homerizado... da Mostra ‘DESTINO E TEMPO’ e assim por diante, inarredavelmente assumo uma postura d e s i d e r i o s a.

(NOTA DE ANA MACHADO: trocadilho de Otacílio Melgaço que remete ao título de seu primeiro disco: “Desiderium”. Pelo que pude entender, o termo em latim significa algo como “ ‘segurar as rédeas’ de nosso destino, ou melhor, de nossas vidas ‘com as próprias mãos’ a despeito do que habita o alto, dos astros, deus... – seja lá qual for o nome que damos ao que interferiria nesse ato heróico e, nos termos de Melgaço - ‘mais-que-humano: super-humano.’ ”)  

 

PZ - Quais fotógrafos você citaria como referências suas, diretas ou indiretas, a seu olhar de fotógrafo e especialmente às fotografias dessa exposição?

 

OM - Às de ‘ANAGKE KAI CHRONOS’... é impossível dizer pois quando tais fotografias me foram, em todos sentidos, ‘veladas’ e ‘reveladas’, absolutamente nenhuma referência eu possuía. Mantive específico hímen-ocular intacto...se a questão é trazer a lume personas totêmicas... Atitude recorrente em meu biobreviário artístico: virginização e autovirginização estratégica e provisoriamente intocável, ...imanentemente concernente ao ‘Homo Ludens’ que sou... A posteriori sim...passei a nutrir admiração pelos – que julgo – ‘intuitivos’, por aqueles que lançavam mão do ato-de-fotografar de forma carreiristicamente rizomática... Pierre Verger, Henri Lévi-Strauss...

 

PZ - A exposição é dividida em quadrantes como você tinha descrito em um e-mail passado. Aliás, o mesmo que continha seu material de divulgação (reproduções das fotos, convite e release). São quadrantes quase literários, pelo visto. Fale-me um pouco sobre cada um.

 

OM - São a inteireza de Quadrantes meus Hai Kais imagéticos à la Bashô que relatam, de um falso paradoxo: infimidade e vultosidade transpontuais... Em linguajar iconocrístico, da lexidade inglesa à germânica: quádruplo ‘Flash’ que se faz ‘Fleisch’...

 

PZ - O homem moderno ora se depara com uma história que se tornou tão materialista como esse cotidiano, a que vemos acontecer nos jornais todos os dias, ora com uma  história que nos assola independentemente de todo plano concreto, em um outro nível, talvez das tradições, e que inevitavelmente refletem na produção artística do nosso tempo. Qual a sua opinião sobre a produção fotográfica atual no Brasil, e de um modo mais amplo as artes, visuais?

 

OM - Confesso que me sinto um ser – não ‘unicamente’ o artista... – um ser vetusto, cada vez mais anacrônico... Sendo assim, seria um hibridismo niilista me referir à ‘atualidade’ como me pede... Me desculpe. Mas, volto a meu

 divertimento oracular...: “A não-incorporação da arte a uma forma ‘concreta’ leva apenas a uma matemática dessecada ou a uma espécie de expressionismo abstrato, que termina em monotonia e em um progressivo empobrecimento da forma...”, Jean Bazaine. Outra: “A arte abstrata é expressão de um mal-estar e de angústia metafísica”, Wilhelm Worringer.

Substituiria a palavra ‘abstrata’ por ‘contemporânea’ e as açambarcações desta.

Toda e qualquer mobilidade diacrônica que me persegue... acaba por me afastar dos sincronismos desmetaforizantes da época em que vivemos...

Por outro lado, através da fotografia, música, teatro, cinema etc etc etc mantenho não só uma relação telescópica..., periscópica... com os 2002 anos da Era Comum.

Vivescentemente eu almejo desembocar inexorável ‘intemporal’ em inescapável ‘temporal’,

ou melhor,

‘cronimensurabilidade’ em ‘pontuatualidade’...    

 

PZ - Quando penso no sentido mais amplo ao termo ‘poetry’ proposto por Ítalo Calvino (a ‘poesia’ num sentido necessariamente amplo, que abrange a música, as artes plásticas... e, no seu caso, a fotografia) suas imagens ganham uma outra dimensão... O que me diz?

 

OM - De pleno acordo. Absorver a amplidão e amplitude do calviniano ‘poetry’ é reconhecer a concomitância do ‘Pluridimensional’...

 

PZ - Qual a relação que você vê entre as imagens visuais e a música, já que além de fotógrafo, dentre outras artes que exerce, é também músico?  

 

OM - Não declararia uma descabida redundância ou pleonasmo quando você diz ‘imagens visuais’ porque é inegável e salutar a sinestesia de

‘imagens auditivas’,

‘tácteis’,

‘olfativas’ e mesmo ‘palatáveis’...

A relação é imprevisivelmente ambígua...

Pode chegar às raias do indiscernimento diluvioso assim como de fenomênico amalgamento...

 

PZ - Um ponto muito questionado e muito utilizado, talvez até indiscriminadamente, na fotografia atual, como mais um meio de expressão, é desconstrução das imagens, revelações alternativas, a montagem das fotos em direta relação com objetos, com recortes, sobreposições. A fotografia adquire, então, um outro ‘status’ na arte contemporânea, qual sua opinião sobre isso e qual é exatamente a sua relação com a técnica na fotografia?

 

OM - Tal qual havia dito anteriormente, aprecio os que chamo ‘intuitivos’ e assim me denominaria. Mais conotativa menos denotativamente: esse modo é eficaz para definir minha compleição apreendedora da dita ‘técnica’. Ou seja, se assim posso me ‘descategorizar’: abomino a cosmetologia tecnicista...

Sou autodidata, utilizo câmaras automáticas de uma simploreidade extrema, diria até: absurda...

Defronto-me com a antitecnicidade em paroxismo! Nem mesmo algum (coloco o termo entre aspas) “artifício” simultâneo ao ato-de-fotografar como utilização de filtros, tripés... ou ulterior forjança polinterventiva tão corriqueira hoje em dia que é o fato de se escanear e alterar pirotécnica, computadoristicamente a imagem-prima. ‘Ultrajante’, neste contexto, seria citar a propagação apassivante e epidêmica da ‘digitalização’ siamesa à extinção crescente da pelicularidade do veículo fílmico etc.

A despeito de, é relevante para mim delegar expressivas ‘responsabilidades’ à câmara que utilizo,

sua automaticidade é condição de uma mecanicizada ‘autarquia’... Porém, não sendo vítima de maquiavélica contradição: ‘autarquia’ minimal, arcaizante, seminal.  Literal e hominalmente, a câmara torna-se fidelíssima extensão de meus olhos em condicional fisiologia – o que me basta. O que me alastra...  

Fico, assim, liberto para desenvolver entranhamentos pelo ‘Inconsciente da Visão’!

Sobre a primeira parte de sua pergunta,

transcrevo duas apropriadas passagens literárias que margeiam o que me pede.

Uma, de Aniela Jaffé. Tomemos uma crítica que faço abertamente ao que costuma ser nomeado: ‘Arte Conceitual’ (sic). Ei-la: “Nunca os artistas publicaram tantos ‘manifestos’ e explicações dos seus objetivos como neste nosso século. No entanto, não é apenas para os outros que eles tentam explicar e justificar o que estão fazendo; é também para si mesmos. A maioria destes manifestos são confissões de fé artísticas – tentativas poéticas, e muitas vezes confusas ou autocontraditórias, para trazer alguma claridade ao estranho resultado das atividades artísticas de hoje.”

A segunda está em uma série de entrevistas concedidas por Francis Bacon a Sylvester, David Sylvester.

Francis nos remete à arte abstrata – precisamente pictórica – contudo eu extrapolo o termo e o transformo em ‘testa-de-ferro’, em um quase eufemismo... (como fiz anteriormente) ...você já sabe a que, okay? Por obséquio, reproduza na íntegra, em seu ‘Zine’, o que relatarei a seguir:

Bacon: “Uma das razões por que não gosto de pintura abstrata ou por que ela não me interessa, é que,

a meu ver, a pintura é uma dualidade, e a pintura abstrata é uma coisa inteiramente estética. Ela fica apenas num nível. Está unicamente interessada na beleza de suas padronagens e de suas formas.

Sabemos que a maioria das pessoas, principalmente os artistas, possuem enormes áreas de emoção indisciplinada, e os artistas abstratos, segundo imagino, acreditam que estão, nessas marcas que fazem, captando todos os tipos de emoções. Mas acho que, captadas desse modo, elas são fracas demais para transmitir o que quer que seja. Creio que a arte verdadeira é profundamente ordenada.

Mesmo que dentro da ordem possam ocorrer coisas demasiadamen-te instintivas e acidentais,

acho que elas brotam de um desejo de ordem e também de reconduzir o fato

ao sistema nervoso de uma maneira mais violenta.

Por que, segundo alguns artistas, as pessoas estão sempre tentando fazer uma coisa pela segunda ou

terceira vez? Simplesmente porque, de geração a geração, por causa daquilo que os artistas fizeram, os instintos se modificam. E com a mudança dos instintos, surge uma renovação da sensibilidade que me leva a perguntar de que maneira eu poderia, mais uma vez, refazer determinada coisa para que ela fique mais clara, exata e violenta. Olha, eu acredito que a arte seja um registro; acredito que ela seja um relato. E como na arte abstrata não existe o sentido de registro, esse tipo de arte possui apenas a estética do pintor e umas poucas referências à sensibilidade dele. Jamais existe alguma tensão nela. Acho que ela pode transmitir emoções líricas muito aguadas, porque isto qualquer forma pode. Mas não acredito que ela possa transmitir emoções realmente fortes. Acho possível que o espectador possa embarcar até mais numa pintura abstrata. Mas qualquer um pode ir mais fundo na chamada emoção indisciplinada, porque, afinal das contas, quem mais do que o espectador para gostar de casos de amor fracassado e de doenças? Ele é capaz de entrar nessas coisas e pensar que está participando delas e até fazendo alguma coisa para resolvê-las. Mas isso, naturalmente, nada tem a ver com o que seja arte. O que você está falando é de como o espectador recebe a obra de arte, e acho que na arte abstrata as pessoas podem talvez entrar mais, porque aquilo que lhes está apresentado é uma coisa mais fraca, à qual elas não precisam opor-se.”

Sylvester: “Se os quadros abstratos não passam de padronagens, como explicar o fato de que há pessoas, como eu, que reagem a eles exatamente da mesma forma que eventualmente reagem a obras figurativas?”

Bacon: “Modismo. Acho que só o tempo diz o que uma obra é. Nenhum artista sabe em seu tempo de vida se existe qualquer sombra de qualidade no que faz; no mínimo, vão passar de setenta e cinco a cem anos até que a obra comece a ser esclarecida pelas teorias que foram formuladas a seu respeito. E acho que a maioria das pessoas entra numa pintura por causa da teoria sobre ela e não pelo que ela é. A moda sugere que você se deixe levar por certas coisas e não por outras. É este o motivo por que mesmo os artistas de sucesso – especialmente os artistas de sucesso, você poderia dizer – não têm a menor idéia do valor, ou da falta de valor, de sua obra.”

Sylvester: “Você conhece essa observação de André Bazin? Segundo ele, a crueldade de Buñuel não passava de um meio utilizado para revelar a humanidade em toda sua grandeza.”

Bacon: “Será que há de fato crueldade em Buñuel? Qualquer coisa em arte parece cruel, porque a realidade é cruel. Talvez seja essa a razão por que há tanta gente que gosta da abstração na arte, afinal das contas não se pode ser cruel na abstração.”

Sylvester: “Você acha que as pessoas gostam da arte abstrata por causa de suas qualidades anódinas? Você acha que elas gostam do abstracionismo porque a espécie humana não consegue suportar a realidade, como diz Eliot?”

Bacon: “Acho. Mas acho também que Eliot ficou religioso daquele jeito porque estava precisando de um anódino. Acho que as pessoas estão tão amarradas a seus egos que elas preferem o tormento em vez do simples aniquilamento. Preferiria ‘os tormentos eternos’ porque, se eu estivesse no inferno, ficaria sempre pensando numa maneira de fugir de lá. Jamais perderia a certeza de que ainda conseguiria escapar.”

 

PZ - No seu site, Fleischarge, há um texto do Jean Baudrillard, coloco aqui um trecho “Digamos, para resumir, que é a televisão que nos olha, e que é por que nos olha que ela nos impede de ver. Ela nos olha a partir de um ponto cego, portanto, a partir de nada – é o nada que nos olha, e que faz com que nada lá dentro, em tudo o que a televisão nos dá a ver, nos diga mais respeito. Esse ponto cego – no duplo sentido de que não o vemos, ou ponto através do qual não vemos nada, e esse Nada não nos diz respeito – é o ponto de refração a partir do qual nos volta o retorno-imagem, a partir do qual nosso próprio olhar nos retorna como isso que nos impede de ver.” Comente, por favor, falando especificamente dessa afirmação em relação às imagens da exposição...

OM - Tomando Baudrillard como pretexto: “o Nada nos olha”, perfura nossas córneas, retinas... nos encega e contamina e transfigura ao ponto de um Nada estar a fitar outro Nada, ...ou a si mesmo! Narciso afogado, auto-imolado ou sacrificado em um Lago , por um Lago ainda mais narcísico que Narciso... Quanto às imagens da Mostra ‘ANAGKE KAI CHRONOS’, sou um utopista selvagem, creio que há antídotos a tudo isso... Destinosos e Temporais...

 

PZ - Existe uma outra frase no texto que me tocou muito ao olhar suas fotografias... ‘a foto é pensativa...’

 

OM - Incensando João Rosa, ‘photografia é’ luz lembrada...

 

 

 

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