
Amor não é
verbo: é luz lembrada
Olhos são
.a porta do engano
Família é
transação
de olhos e retratos
Retratos são
uma outra sombra
em falsa claridade
F L E I S C H A R G E
Ontomenageia
E v g e n B a v c a r
‘Quem é que ajunta, no Escuro,
o que no Claro vai aparecer?'
C O D A
Compendieto Benjamin-Sontagiano
“O olho vê, a lembrança revê, a imaginação transvê.
É preciso de transver o mundo.”
(Manoel de Barros)
A Fotografia é contemporaneamente uma pseudopresença e a indicação de uma ausência; precisamente por lapidar e cristalizar determinado instante, testemunha a dissolução inexorável do tempo; parece redefinir a forma de o homem se relacionar com a realidade; de um lado, perdura no tempo de contemplação ao parar seu fluxo e, de outro, tem a origem em um olhar ultradinâmico que em questão de segundos capta a luz; “memento mori” – fotografar é participar na mortalidade, vulnerabilidade e mutabilidade de uma outra pessoa ou objeto; é o inventário da mortalidade; exprime a impaciência perante a realidade; cada fotografia testemunha a inexorável dissolução do tempo, precisamente por selecionar e fixar um determinado momento; transforma o passado num objeto de carinhoso respeito, confundindo distinções morais e desarmando os juízos históricos através do pathos generalizado de olhar para o passado... Apesar de toda perícia do fotógrafo e de tudo que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível onde o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo, olhando para trás. A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente. A fotografia revela esse inconsciente ótico, como a psicanálise revela o inconsciente pulsional. No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. É uma natureza diferente a que fala à câmara ou aos olhos; diferente principalmente na medida em que em vez de um espaço impregnado de consciência pelos homens, surge um outro embrenhado pelo inconsciente. Fotografia é o inconsciente da visão. É comum que alguém, ainda que de modo grosseiro, pretenda obter informação a partir do andar das pessoas, mesmo que nada saiba da sua atitude na fracção de segundo do "avançar o passo". A fotografia com os seus meios auxiliares, o retardador, as ampliações, permite-lho. Deste inconsciente óptico só se tem conhecimento através da fotografia. Com a fotografia, o valor da exposição começa a relegar a segundo plano, em todas as ordens, o valor cultual. Este último, no entanto, não cede sem resistência. Sua última trincheira é o rosto humano. Não foi por acaso que o retrato desempenhou um papel central nos primeiros tempos da fotografia. No culto da lembrança dedicada aos seres queridos, afastados ou desaparecidos, o valor cultual da imagem encontra seu último refúgio. Na expressão fugidia de um rosto de um homem, as fotos antigas dão um lugar à aura por uma última vez. É isso que lhes dá essa beleza melancólica, que não se pode comparar a nenhuma outra coisa. Mas, desde que o homem está ausente da fotografia, o valor de exposição leva decididamente vantagem sobre o valor cultual. Hoje em dia todas as artes aspiram à condição da fotografia (as belas artes tradicionais apoiam-se na distinção entre o autêntico e o falso, o original e a cópia, entre o bom e o mau gosto..., as belas artes partem do princípio de que certas experiências ou temas têm um significado... É inevitável que um número cada vez maior de obras de arte acabará na forma de fotografias...) pois a força de uma imagem fotográfica está na possibilidade que ela nos oferece de investigar determinado instante que o fluxo normal do tempo imediatamente substituiu... O fotógrafo saqueia e preserva, denuncia e consagra simultaneamente...
O F O T Ó G R A F O
"Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho,
Ninguém passava entre as casas.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim
No beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência
Mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão
No olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha
A desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim enxerguei a
Nuvem de calça.
Representou para mim
Que ela andava na aldeia de
Braços com Maiakovski
- Seu criador.
Fotografei
A nuvem de calça
E
O poeta.
Ninguém-outro poeta
No mundo faria
Uma roupa mais justa
Para cobrir
A sua noiva."
(Manoel de Barros)
O t a c í l i o
M e l g a ç o
artista multimidiático oriundo das Minas Gerais - Brasil.
Musicista (compositor, arranjador, multi-instrumentista, cantor, ingénieur-architecte de som/inúmeras obras discográficas - em diversos gêneros - lançadas); Dramaturgo (algumas de suas peças teatrais traduzidas para o Alemão por Curt Meyer-Clason); Cineasta (curta-metragista / roteirista e diretor); Videoartista (produções de videopoemas e clipes); Fotógrafo; Poeta; Romancista; webphonoDesigner, Cordiógrapho &tc.
as trilhas sonoras contidas neste site - e em todos os demais melgacianos - pertencem à lavra de o.m.
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