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“Se eu quero ‘a vida enquanto arte’, corro o risco de cair no estetismo, porque tenho o ar de pretender impor alguma coisa, uma certa idéia de vida. Parece-me que a música – ao menos tal como a encaro – não impõe nada. Nela mesma a música não nos obriga a nada. Ela pode ter como efeito mudar nossa maneira de ver, fazer-nos olhar como sendo arte tudo o que nos cerca. Mas isso não é um fim. Os sons não têm um fim! Eles são, simplesmente. Eles vivem. A música é esta vida dos sons, esta participação dos sons na vida, que pode tornar-se – mas não voluntariamente – uma participação da vida nos sons”

J. Cage

 

 

 “Lá fora, os cantos já iam se modulando numa língua baixa, sonora e gutural, com articulações bem marcadas. Só os homens cantam; e seu uníssono, as melodias simples e repetidas cem vezes, a contraposição entre os solos e os conjuntos, o estilo másculo e trágico lembram os coros guerreiros de algum Männerbund germânico. Salvo alguns instrumentos de sopro que fizeram sua aparição em momentos prescritos do ritual, o único acompanhamento das vozes resumia-se aos maracás feitos com uma cabaça cheia de cascalho, sacudidos pelos corifeus. Era uma maravilha escutá-los: ora soltando ou interrompendo as vozes com uma pancada seca; ora enchendo os silêncios com o crepitar dos; ora, enfim, dirigindo os dançarinos por alternâncias de silêncios e ruídos cuja duração, intensidade e qualidade eram tão variadas que um maestro de nossos grandes concertos não saberia melhor indicar seu desejo. Não surpreende que outrora os indígenas e os próprios missionários tenham acreditado, em outras tribos, ouvir os demônios falarem por intermédio dos chocalhos! Aliás, sabe-se que se antigas ilusões a respeito dessas pretensas ‘linguagens tamboriladas’ foram desfeitas, parece provável que, pelo menos entre certos povos, elas se baseiem numa verdadeira codificação de língua, reduzida a alguns contornos significativos simbolicamente expressos” (Sobre os índios bororo)

C. L é v i – S t r a u s s

 

 

“Música é a ciência que pode fazer-nos rir, cantar e dançar”

G. de Machaut

 

 

“A educação deve, quer no domínio particular da música, quer no da vida afetiva, ocupar-se dos ritmos do ser humano, favorecer a liberdade das suas ações musculares e nervosas, ajudá-lo no triunfar das resistências e das inibições e harmonizar as suas funções corpóreas com as do pensamento”

Dalcroze

 

 

“A música é uma disciplina que torna as pessoas mais pacientes e doces, mais modestas e razoáveis. Ela é um dom de Deus e não dos homens. Com ela se esquecem a cólera e todos os vícios. Por isso, não temo afirmar que depois da teologia nenhuma arte pode ser equiparada à música”

M. Lutero

 

 

“Tão grande é a correspondência entre a música e nossa alma que muitos, procurando cuidadosamente a essência desta, ajuizaram que ela está repleta de acordes harmoniosos – pura harmonia, na verdade. Toda a Natureza, a bem dizer, não é outra coisa senão uma perfeita música, que o Criador faz ressoar nos ouvidos do entendimento do homem, a fim de dar a ele o prazer e atraí-lo docemente para Si”

I. Sweelinck

 

 

“Não há música sem ideologia. Os mestres antigos tinham consciente e inconscientemente uma orientação política. A maioria deles apoiava naturalmente o domínio das classes superiores. Apenas Beethoven foi um precursor do movimento revolucionário”

D. Shostakovitch

 

 

“Conforme a música à qual um povo é acostumado assim é o caráter deste povo”

Platão

 

 

“Uma arte que perde a sua comunidade perde-se a si mesma”

H. Eisler

 

 

“A música (em comparação com a poesia) possui a sua prosa e os seus versos... Há, para mim, na nossa maneira de escrever música, defeitos que se relacionam com a maneira de escrever nossa língua; é que nós escrevemos diferentemente de como tocamos”

F. Couperin

 

 

“Quando as pessoas tiverem aprendido a amar a música por ela própria, quando a ouvirem com outros ouvidos, o seu prazer será de ordem bem mais elevada e mais potente, o que lhes permitirá, então, apreciar a música num outro plano e poderá ser-lhes revelado o seu valor intrínseco”

I. Stravinsky

 

 

“Assim como as paixões, violentas ou não, jamais devem ser expressas de forma a produzir asco, a música, ainda que nas situações as mais terríveis, nunca deve ofender o ouvido, mas agradar, continuar a ser música, enfim”

W.A. Mozart

 

 

“Quem uma vez compreendeu minha música será livre da miséria em que os outros se arrastam!”

L. van Beethoven

 

 

 “Existe muita música no mundo, elementar ou elaborada, erudita ou popular, mas somente o silêncio pode restituir ao som seu autêntico vigor – um profundo silêncio observado por todos aqueles que necessitam de música”

Gavazzani

 

 

“Tem-se falado muito sobre música e tem-se dito tão pouco. Além do mais, creio que as palavras não bastam; se me parecesse o contrário, possivelmente eu não mais faria música. As pessoas queixam-se geralmente da ambigüidade da música. Afirmam ser duvidoso o que se possa pensar sobre ela enquanto se a escuta; em contrapartida, qualquer um compreende as palavras. A mim acontece justamente o contrário. Não só com longos discursos como também com palavras isoladas; estas parecem-me muito mais ambíguas, indefinidas e equívocas se comparadas com a verdadeira música que nos enche a alma de coisas que valem mais que as palavras. O que me transmite uma música de que gosto não constitui para mim idéias indefinidas – para dizê-lo com palavras – mas muito definidas. Se você me perguntasse em que pensei ao escrever isto (uma das Canções sem Palavras)

eu diria: somente nesta canção, tal como está”

F. Mendelssohn

 

 

  “As proporções musicais me parecem ser de fato as proporções-base da natureza. Todos os incidentes de nossa vida são materiais dos quais podemos fazer o que quisermos, quem possui muito espírito fará muito de sua vida, cada encontro, cada ocorrência seria, para o indivíduo inteiramente espiritual, o primeiro elo de uma série infinita, o começo de um romance infinito”

Novalis

 

 

“Nada é mais odioso que a música sem um significado escondido”

F. Chopin

 

 

“Pretendem os aficcionados compreender de imediato um problema sobre o qual os artistas pensaram

durante dias, meses ou anos?”

R. Schumann

 

 

“Gostaria que se chegue, que se chegasse a uma música verdadeiramente livre de motivos, ou formada por um único motivo contínuo, que nada interrompe e jamais retorna. Convenço-me cada vez mais de que a música não é, por sua essência, algo que se possa colar a uma forma rigorosa e tradicional. Ela são cores e tempos ritmados... O resto é uma piada inventada por frios inbecis sobre os lombos dos Mestres, os quais geralmente não fizeram nada a não ser música de época! Só Bach pressentiu a verdade”

C. Debussy

 

 

“O que gostaria de realizar seria uma música que satisfizesse por ela mesma, uma música que buscasse liberar-se de todo elemento pitoresco e descritivo, e para sempre distanciada de toda localização no espaço. Longe de querer descrever, esforço-me sempre no sentido de afastar do meu espírito a lembrança dos objetos e das formas susceptíveis de serem traduzidas por efeitos musicais. Quero fazer apenas música”

A. Roussel

 

 

“A música expressa a natureza inconsciente deste e de outros mundos”

A. Schöenberg

 

 

“A música é uma arte não significante, donde a importância primordial das estruturas propriamente lingüísticas, já que seu vocabulário não poderia

assumir uma simples função de transmissão. Não ensinarei a ninguém a dupla função da linguagem, que permite uma comunicação direta, cotidiana, assim como serve de base à elaboração intelectual, ou, mais especialmente, poética; salta aos olhos que o emprego das palavras em um poema difere fundamentalmente da utilização corrente do vocabulário, numa conversação, por exemplo. Em música, ao contrário, a palavra é o pensamento. Que é, então, música? Ao mesmo tempo, uma arte, uma ciência e um artesanato”

P. Boulez

 

 

“Há essencialmente duas perspectivas segundo as quais a música parece-me poder ser considerada uma linguagem...; elas correspondem diretamente às duas possibilidades de engajamento dessa linguagem a serviço da realidade e da problemática sociais. A música é sobretudo considerada como um veículo de uma mensagem. Todas as suas capacidades descritivas são colocadas a serviço da expressão, tão eloqüente, tão co-movente (e, portanto, pro-vocadora) quanto possível, de uma realidade que lhe é preexistente e que será finalmente a mais importante de apreender. Função duplamente voltada para o passado, para o lado passado do presente (que pode demonstrar uma persistência teimosa), já que é ela que parece ter sido tradicionalmente reconhecida para a música, e porque se trata de fazer ver aquilo que já está ali. Função quase monetária, a música não é aí senão o ‘símbolo’ de outra coisa. Mas há uma outra possibilidade, muito mais voltada para o futuro, para aquilo que não existe mas que poderia (deveria?) existir. Portanto, impossível de ser descrita, sobretudo de maneira exata (porque ainda não temos os meios mentais), sequer de ‘imaginar’; mas possível de experimentar, de suscitar sob forma fictícia pela fato de pôr à prova modelos exemplares. A recente bisca de formas de prática musical nova, com a maior iniciativa de todos os participantes, a espécie de antecipação microssocial de que ela permitiu e permite o atento estudo, parece-me um exemplo notório dessa possibilidade: sem que se tenha explicitamente buscado, ela se mostra algumas vezes capaz de fazer miraculosamente entrever o quadro de uma futura e bem melhor harmonia (por exemplo, de um tempo sem impaciência nem nostalgia)”

H. Pousseur  

 

 

Por fim, W. Smetak:

“falar sobre música é uma sandice mas fazê-la é uma loucura...”

 

Quais sentidos a palavra ‘loucura’ aqui abarcaria’?

 

 

 

Agradecimentos a Niete d’Aquino e a J. Jota de Moraes

microantologia

 

Há uma frase de Merleau-Ponty (“A linguagem realiza, quebrando o silêncio, o que o silêncio desejava e não conseguia”) que sempre a nós parecera intrigante... O objetivo desta ‘Microantologia’ composta pelos depoimentos de personalidades excepcionalmente sincréticas - focalizando os Sons, a Música e seu nascedouro: o Silêncio - é de desvendar (?) tal postulado. Entrementes, quando João Guimarães Rosa declara que 'de tudo quer nascer uma música', estaria a nos querer dizer que 'toda tentativa de melodia já é um ensaio do indefinido’?

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