
"Que je coupais ici
les creux roseaux domptés
Par le talent; quand, sur l'or
glauque de lointaines
Verdures dédiant leur vigne à des fontaines,
Ondoie une blancheur animale au repos:
Et qu'au prélude lent où naissent les pipeaux
Ce vol de cygnes, non! de naïades se sauve
Ou plonge..."
(Stéphane Mallarmé)
"Se a dança é um modo de existir,
cada um de nós possui a sua dança e
o seu movimento original,
singular e diferenciado.
E é a partir daí que essa dança e esse movimento evoluem para
uma forma de expressão
em que a busca da individualidade possa ser entendida pela coletividade humana."
(Klauss Vianna)
Há termos
normativamente adequados
ao que registro a seguir
todavia adoto
M A N I F E S T O.
Que, por sinal, dedico a
Duncan, Nijinsky, Ohno e Bausch.
Não demandarei tempo-espaço algum - agora e aqui - para destilar situáveis historiografias, contextualizações catedráticas ou referencialidades esquizocontemporâneas a respeito do Universo da Dança pois levo em consideração que tais compendietos, nem sempre libertos de fastio, lhes sejam de domínio, senhoras e senhores.
"O que me interessa não é como
as pessoas se movem, mas sim o que
as move.”(Pina Bausch)
O que me interessa e nos importa
através de meu
M A N I F E S T O
C O R D I O G R Á P H I C O
é arquitetar a exata, leve, rápida, visível, múltipla e consistente
i c o n o - c l a s t i a
que me/nos servirá de catapulta ao ultr'empírico, ao encantado cordiográphico.
(Assim sendo, esquadro não uma próto-tese ou apaziguante metodologia propriamente. Aliás: existirá 'o' Método sendo a Dança expressão do interior de cada um?...já questionava Kazuo Ohno. Pré-ocupo-me em pincelar espasmos conceituais, em dar erupção a uma dialética genesíaca e o restante estará por se
g r a p h a r.
Ofereço-lhes mais mobilindagações que engessadas convicções e quiçá
cordial trajetória).
Se para Paul Valéry e Oscar Wilde, a Dança, por meio da movimentação de seus bailarinos, seria uma arte capaz de promover a proliferação de significantes no espaço e de desmaterializar a Verdade que
a eles correspondesse, considerada absoluta em sua essência:
a conseqüência deste processo seria a abolição de significados, na medida em que a Dança estaria sempre dando um passo a frente de seu estabelecimento - citação a Adriane R. O. Grey.
1 - Pois como resgatar
a materialização de tal Verdade?
2 - De que maneira nos reaproximaríamos do absolutismo de sua essencialidade? Eis questões inerentes à
C o r d i o g r a p h i a®.
Retomando o veio prologal: se para alguns, a efemeridade da Dança era/é considerada sua glória, porque a torna uma forma absoluta de arte, na medida em que não "conduz" a nada, a nenhum conceito ou idéia em seu âmago, mas - conforme palavras de Valéry - por “ter um fim em si mesma”,
3 - Haveria por meio da antítese do que entenderíamos como efêmero, um outro meio de se atingir e conquistar o mesmo Absoluto?
A inerência revelada acima novamente se impõe e me
impele a questionar
a Construção Artística.
“Eu não sou mais filosófico do que minhas pernas, mas delas eu detecto este fato: que estão cheias de energia que pode ser liberada no movimento… De que a forma que
o movimento faz está além da capacidade de análise da minha mente mas desobstruído a meus olhos e rico na minha imaginação." (Merce Cunningham)
(Terei como paraninfos argumentativos, em algumas instâncias inbricadas a meu
M A N I F E S T O,
o já incorporado Valéry e seu resenhista, que o denominava: Alquimista do Espírito, o brasileiro Aguinaldo Gonçalves).
Sendo a Obra Artística o resultado de uma série de operações lógicas (e ilógicas?) e sensíveis e isso justificando sua complexa natureza, tal série não permitiria que as Musas discutissem entre si. Elas dançariam! Elas dançam. Dançam mas não falam.
Resgatar a linguagem das Musas.
Resgatar a linguagem
entre as Musas.
A Dança, que em si é linguagem, é linguagem do corpo integrada
à musical.
Ambas como uma só.
"Dançar é estabelecer um contato visceral com forças misteriosas da natureza; é chegar às máximas possibilidades de articulação do corpo humano em harmonia com os sons em volta. Dança é, muito além disso: acompanhar a música interior que torna divino o meramente humano, é ser ao mesmo tempo deus e demônio, pela sublimidade do movimento." (Adler Stern)
Para levarmos aos píncaros - o que não me parece mais ocorrer de fato - 'ambas: uma só':
abolir a figura centrípeta do coreógrafo e sim fundar
o acasalamento mais que unívoco entre (permanecendo, não obstante, dois artistas que laborarão
em conjunto):
M u s i c i s t a / B a i l a r i n o.
Do Musicista como
Pulsação Multibussolar;
Do Bailarino como
Cinetiqu'Escultura Sonora.
Do Musicista que arrebata
o Bailarino (feito etimológico pedagogo que enlouquece) ao útero que é - do silêncio, dos ruídos e das notas - o cerne cordial
da Graphia;
Do Bailarino que, de tal foco, transplanta a rubra seiva -
o fluxo, latejo, a palpitação sangüínea - bombeada (pelo Musicista) do ventre sonoro que inaugura afluências, deslocamentos, andamentos e tendências.
Duas jurisprudências a se indiscernir: Musicista
e Bailarino: em princípio, dois movimentos. Dois tipos de movimento: o que possui um alvo definido e outro, em que
o movimento é o próprio alvo.
"A maior parte de nossos movimentos voluntários tem uma ação exterior por fim: trata-se de encontrar um lugar ou um objeto, ou de modificar alguma percepção ou sensação num ponto determinado. Uma vez encontrado o objeto,
o trabalho terminado, nosso movimento que era, de algum modo, inscrito na relação do nosso corpo com o objeto e com a nossa intenção, cessa. Sua determinação continha sua destruição". Aqui, apegar-se ao sentido literal dos movimentos, ao sentido denotativo que corresponderia ao direcionamento exterior das nossas intenções comunicativas. A ação exterior advém de uma relação entre a intenção subjetiva e
o ponto externo de conexão. Equivale à comunicação verbal de natureza referencial em que
o signo funciona como representação de
um referente fora de nós.
No que diz respeito aos gestos e aos movimentos da Dança,
os objetivos se transformam e já não se pode afirmar que sua determinação contenha sua exterminação. Na Dança, como no poema ou em qualquer espaço artístico miticamente definido,
o que se determina possui movimento inverso: a seta se torna o próprio alvo e recai numa relação lúdica de possibilidades indefinidas. "Ora, a Dança engendra toda uma plasticidade: o prazer de dançar libera em torno de si
o prazer de ver dançar.
(O que é um espectador de dança? Mallarmé responde a essa questão de maneira particularmente exigente. Pois da mesma maneira que o dançarino, que é símbolo, jamais é alguém, o espectador de dança deve ser rigorosamente impessoal. O espectador de dança não pode de maneira alguma ser
a singularidade daquele
que assiste...)
Os mesmos membros compondo, decompondo e recompondo suas figuras, ou movimentos se respondendo em intervalos iguais ou harmônicos ou...tudo isso forma um ornamento de duração, como
a repetição de motivos no espaço, ou também de suas simetrias, formam o ornamento da extensão."
Ornamento de duração, ornamento de extensão: movimentos de sístole e diástole de minha
C o r d i o g r a p h i a®.
Dois movimentos:
Musicista e Bailarino. Dois ornamentos: duração e extensão.
Metamorfosear dualidade em unicidade. De ambas margens, galgar a terceira - que é vereda
à unicidade, o resguardo
do essencial.
(Uma terceira margem em que
o processo de mudança ou alteração das relações internas e externas de um corpo não tenha qualquer limite no tempo-espaço, nenhum objetivo visível: nada que anule as cineses ao se juntar.)
Como em Degas, o mecanismo criador se baseia em "pedaços" de realidade iconizados e indiciados por esboços e traços rápidos sugerindo movimento em ritmo revelador de camadas profundas e mutáveis da condição humana.
Uma espécie, portanto,
de resguardo do essencial.
Seguir um movimento na unidade bruta e na densidade do mundo, desconstruindo-as...
Ainda valeryana, pronuncia a
C o r d i o g r a p h i a®:
Desmontar o mundo em signos para que, via "desordem", a segunda (ou, na realidade, primeva?) natureza (a Arte) se apresente. Operar sobre os seres e os objetos, sobre acontecimentos e motivos que
o mundo e natureza nos oferecem, abstrair disso símbolos de ação, nos quais poder de compreensão e de construção se combinem, e que sejam denominados: a Linha,
a Superfície, o Arabesco,
a Profundidade, o Caos, o Número,
a Ordem, a Forma, o Ritmo...e
o restante...
E o...
'Coração'
...como simbólico
epicentro demiúrgico;
como a rosa-dos-ventos não da técnica e seus dogmas/contradogmas, porém do significado da operação estética que a Dança empiriza sobre
a realidade;
como amálgama da unicidade diretiva 'Musicista/Bailarino' ambos os eleitos pois supremos acasaladores dos respectivos domínios (que se transmutam, eclipsam e se tornam o mesmo), fertilizadores ao paroxismo do que será a ortografia de
uma nova cinemática;
como o destino dos fluxos corporais a si - coeur tyrannique, nascente e foz de todos traslados - sujeitos;
como fonte da água viva
(movimento-metonímia);
como Verdade - materializável! - que convence os que se instrumentalizam sendas do
deflúvio-que-não-tem-fim:
talvez...
(centrum do que alcunham Deus?
Só há como crer em Um se dançasse!)
...centrum de um novo mundo que se desdobrará sobre a humanidade ainda e sempre sequiosa d'Infinito...
[O.M.]