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pará de minas;,

outono de 200?; 

O.M.

 

 

 

 

 

"Tive conhecimento da nova gnomonia por uma conversa de café. O poeta Augusto Frederico Schmidt e o compositor Ovalle debatiam animadamente um ponto da nossa situação interna, particularmente a ação de certo homem político, quando o segundo, inclinando-se para

a frente em atitude de advertência, colocou a mão direita no joelho do primeiro e proferiu gravemente:

- Seu Schmidt, vá por mim! Aquele sujeito é do

exército do Pará

Do exército do Pará? Que exército era esse que eu desconhecia? Ovalle explicou: o exército do Pará é formado por esses homenzinhos terríveis que vêm do Norte para vencer na capital da República; são habilíssimos, audaciosos, dinâmicos e visam primeiro que tudo o sucesso material, ou

a glória literária, ou

o domínio político.

Compreendi. O nome Pará não implica desdouro, senão honra para o grande Estado, torrão natal de homem-símbolo ou Anjo da grande categoria. O meu Pernambuco tem dado muita gente para o exército do Pará, talvez os seus soldados

mais típicos Da categoria de exército do Pará passamos às demais, que são quatro, abrangendo em linhas gerais os principais tipos de caracteres humanos: os Dantas, os Kernianos, os Onésimos

e os Mozarlescos.

Os Dantas são os bons (toda a gente quer ser Dantas), os homens de ânimo puro, nobres e desprendidos, indiferentes ao sucesso da vida, cordatos e modestos, ainda quando tenham consciência do próprio valor. Quem deu nome a este grupo foi o jovem jornalista San Tiago Dantas, cuja natureza aliás vai ser questão de debate no próximo 1º congresso na Nova Gnomonia, porque a muitos iniciados parece errada a categoria de Anjo atribuída ao sr. San Tiago (alguns o classificaram no exército do Pará). Não sofre dúvida que o senhor Prudente de Morais, neto (não o político residente em S. Paulo , mas o outro, poeta e crítico da revista Estética) está muito melhor qualificado para o papel de Anjo dos Dantas (uma prova luminosa e até com caráter de revelação está no fato de que, desconhecendo de todo a nova ciência e desejando adotar u m pseudônimo literário, escolheu o de Pedro Dantas com que subscrevia as crônicas literárias da revista A Ordem). O tipo mais perfeito que conheço nessa categoria é a falecida Elizabeth Leseur. Posso citar outros para instrução do público: São Francisco de Assis, Spinoza, o abade dos Noivos de Manzoni, ou mais perto de nós Auta de Souza, Capistrano de Abreu, Amadeu Amaral, a D. Carmo do Memorial de Aires.

Os Kernianos são os impulsivos por excelência. Indivíduos de bom coração, capazes de grande sacrifício pelos outros, deixam-se no entanto arrastar às vezes à prática dos atos mais condenáveis, não por maldade, mas por um impulso irresistível de cólera: ilustra-o bem o caso passado com um kerniano em Nova Pasárgada e é sempre citado como anedota já hoje clássica nesse ramo de estudos. Um empregado público de pequena categoria, irritado com a conduta impolida de uma viúva, não se conteve e lhe deu um pontapé no ventre, de que resultou a morte imediata, porque a infeliz estava grávida. Incontinenti arrependeu-se, arrancou

os cabelos, pediu perdão ao cadáver, e sabendo que a

viúva deixava onze filhos ao desamparo, tomou-os todos ao seu encargo, criou-os, educou-os com o mesmo carinho que dedicava aos próprios filhos: kerniano puro. O anjo dos kernianos é o Sr. Ari Kerner, autor de sambas e canções que têm alcançado grande voga. A classe é numerosíssima. Byron e Verlaine foram Kernianos. Greta Garbo é Kerniana. Nobilíssimo exemplar é o sr. H. Sobral Pinto

Ribeiro Couto é um Kerniano

O sr. Paulo Ribeiro e Magalhães

idem. Kerniano foi o primeiro Imperador. Já Pedro

II foi um Mozarlesco.

Difíceis de definir, sem magoar toda a classe, esses caracteres tão interessantes que são os Mozarlescos. Em primeiro lugar – por que assim são denominados? Os Mozarlescos são pessoas que se exprimem ou obram de molde a fornecer aos que os observam uma impressão de coisas consideráveis, ao que todavia não corresponde o conteúdo das suas palavras ou das suas ações. São homens de bem. Acreditam no sufrágio universal. Lêem os ensaios econômicos do sr. Mário Guedes. Manifestam decidido pendor pela pedagogia. Mas repito: por que Mozarlescos? O nome não pode derivar de Mozart, Wolfgang Amadeu, o grande. Este foi um dos tipos mais quintessenciados de Dantas, exemplar verdadeiramente único porque era um Dantas que se apresentava sob as espécies mais infantis e angélicas, naquele extremo limite em que os Dantas confinam de um lado com os Kernianos e por outro com os Onésimos, de que trataremos a seguir. Se houve alguém isento de Mozarlesco por causa da companhia do conselheiro Acácio, do Professor Everaldo Backeuser e outros Anjos classificados nessa categoria. No entanto há formas extremamente sutis e refinadas de Mozarlismos. O grande pintor Cícero Dias, apesar de se revoltar com a classificação (pretende ser um Dantas, embora dê em geral a impressão de Kerniano) é afinal de contas um Mozarlesco, como se depreende bem das suas luas lacrimejantes e da concepção da morte nos seus quadros. Guiraldes, o grande poeta argentino, autor de Don Segundo Sombra, a melhor obra de ficção sul-americana, sentindo-se morrer pediu uma dose de whisky. Como? Whisky na hora por excelência difícil e grave? E Guiraldes explicou aos parentes e amigos que precisava de muita coragem,

o caso era muito sério: __ “Ahora hay que

hablar

com Dios!”

Este, sim, não tinha

nada de Mozarlesco.

Restam os Onésimos. O anjo

da classe é um cavalheiro desse nome, que acercando-se abruptamente de uma roda de Dantas ligados pelas mais estreitas afinidades e que debatiam com o mais puro entusiasmo a questão da salvação do país pelo preparo das elites no sentido neotomista, lançou um frio indescritível na roda, causando evidente mal-estar. O Onésimo onde aparece é assim: duvida, sorri, desaponta; diante dele ninguém tem coragem de chorar. O seu sense of humour sempre vigilante é o terror dos Mozarlescos avisados. Não é que o faça por maldade: os Onésimos não são maus. O drama íntimo dos Onésimos é não sentirem entusiasmo por nada, não encontrarem nunca uma finalidade na vida. Não obstante, se as circunstâncias os colocam inesperadamente num posto de responsabilidade, podem atuar (não todos, é verdade) com o mais inflexível senso do dever. O sr. Gilberto Freyre, por exemplo, é Onésimo. Em geral os humoristas são Onésimos. Não os humoristas nacionais, que esses pertencem todos ao exército do Pará (os srs. Mendes Fradique, Raul Pederneiras, Luis Peixoto, etc. Aporelli faz exceção, é Dantas). Mas os grandes humoristas, Sterne, Swift, Heine são Onésimos. O sr. João Ribeiro é um exemplo muito curioso de Onésimo. O escritor paulista Couto de Barros, outro.

Eis em linhas gerais o arcabouço do novo sistema. Cumpre advertir que os tipos puros são raríssimos. Um Dantas pode revelar traços de Onésimos, de Mozarlesco, de Kerniano e até mesmo (mas isso raramente) de exército do Pará. Todavia um Mozarlesco nunca se revela Onésimo, salvo na capacidade de dar azar, o que é também atributo Onésimo. O que determina em última análise a classificação é a dominante. Convém igualmente salientar que do exército do Pará podem fazer parte tipos superiores da humanidade. Santo Inácio de Loiola e Anchieta, o padre Vieira, o padre Leonel da Franca, por exemplo

eram do exército do Pará.

Para mostrar a complexidade dos problemas ligados a esse ramo novo de pesquisas, basta citar algumas obras

mais notáveis da sua

rica bibliografia:

“Categorias gnomônicas”

(Pedro Dantas);
“Do caráter kerniano de Judas” (Gilberto Freyre);
“Um charlus pode ser Dantas?” (Jaime Ovalle)."

Manuel Bandeira

[in: Crônicas da

Província

do Brasil*]

* O mesmo Bandeira, no início dos anos 1930, andou criando uma classificação das cidades brasileiras em gordas e magras, como se mulheres fossem - relata-nos Humberto Werneck. O poeta empacou na capital mineira, que tinha então pouco mais de trinta anos de existência: "Belo Horizonte veio me atrapalhar. É gorda ou magra? Difícil de resolver como problema de xadrez em cinco jogadas...".Ao cabo de "apertadas cogitações", Bandeira concluiu, mineiramente, que "Belo Horizonte não é magra nem gorda: Belo Horizonte é...miss"

 

EIS

A

NOVA

GNOMONIA

CUJO

ARTÍFICE

FÔRA

O

SÃO

SUJO,

JAYME

OVALLE

 

Recapitulação:

Exército do Pará
“O tal do Exército do Pará, explicou Ovalle ao poeta (Bandeira), era formado por ‘esses homenzinhos terríveis que vêm do Norte para vencer na capital da República’ (...)

a categoria é território

de sujeitos ‘habilíssimos, audaciosos, dinâmicos’ que visam, ‘primeiro que tudo, o sucesso material, ou a glória literária, ou o domínio político’”.

Dantas (Anjo: o diplomata

San Thiago Dantas)
“Homens de ânimo puro, nobres e desprendidos, indiferentes ao sucesso na vida, cordatos e modestos, ainda quando tenham consciência do próprio valor”. Exemplos: o Barão de Itararé e São Francisco de Assis.

Kernianos (Anjo: o jornalista Ari Kerner Veiga de Castro)
"Indivíduos de bom coração, capazes de grandes sacrifícios pelos outros, deixam-se no entanto arrastar às vezes

à prática dos atos mais condenáveis, não por maldade, mas por um impulso irresistível de cólera”. Kernianos: D. Pedro I e o poeta Byron.

Morzalescos (Anjo: o escritor cearense Francisco Mozart

do Rego Monteiro)
“São pessoas que se exprimem ou obram de molde a fornecer aos que os observam uma impressão de coisas consideráveis, ao que todavia não corresponde o conteúdo de suas palavras

ou de suas ações”.

Onésimos (Anjo: o advogado Onésimo Coelho)
“O drama íntimo dos onésimos é não sentirem entusiasmo por nada, não encontrarem nunca uma finalidade na vida”. Em situações de responsabilidade, porém, atuam “com o mais inflexível senso de dever”. São onésimos Gilberto

Freyre e Heine.

A Nova Gnomonia admite a transição de uma categoria para outra, porém com traumas.

A coisa mais Dantas: a primeira lua nova quando fica

pertinho de Vênus.
A coisa mais Pará:

aliança de diamantes.
A coisa mais Mozarleca: D.Pedro II.
A coisa mais Kerniana: pintinhos saindo do ovo.
A coisa mais Onésima: um árabe num elevador.

Adendo relevantíssimo!  

Para o memorialista nosso conterrâneo Pedro Nava, haveria uma categoria suplementar, os "Caetanos". Seu Anjo seria o poeta - outro honorável compatrício - Emílio Moura. “Ser Caetano é como ser mineiro, num átimo se nota: algo no ar e nos olhos, no modo de falar e de buscar nas coisas o que as coisas subtraem a quem não sabe olhá-las no âmago mais âmago...” De pronto, não somente aderimos ao Caetanismo (que figure em nosso estatuto pós-neognomônico!) como, distintos geralistas que somos, a ele decantamos lôas e salamaleques.

 

EM

ASSIM

SENDO,

A

ACADEMIA

PETALÓGICA

MINEIRA

DECLARA,

A

TÍTULO

OFICIAL,

QUE

ADOTA,

PROTO-

REFERENCIAL-

MENTE,

A

NOVA

GNOMONIA -

NÃO

SEM

ANTES

QUESTIONAR-

SE

DOUBLEMENT:

I - QUAL

TERÁ

SIDO

A

'ANTIQUA'

GNOMONIA?

(CABERIA

A

NÓS,

PETALÓGICOS

MINEIROS,

- NA

TRANSVERSAL

DOS

TEMPOS -

INAUGURÁ-

LA?)

Não exatamente.

A Nova Gnomonia fôra copiada de alfarrábios produzidos por padres do século XII. O então jovem Sérgio Buarque de Hollanda cria que sim.

Há um artigo intitulado ‘Antiqua & Nova Gnomonia’ cujo autor revela-se nosso saudoso Barão D’Ascurra (pseudônimo tanto utilizado por Buarque? quanto pelo filólogo carioca Saul Borges Carneiro? que morara em ladeira do Ascurra, no bairro do Cosme Velho).

Citado em seu Boletim de Ariel, lê-se que “nam he a Gnomonia brinco de frívolos, & desocupados, como soem decrarar lingoas peçonhentas, & escatimosas, que de tudo prasmam, & brasphemam, senam que he sciencia de cãas, & arte de sabedores, & gentes sages. Jaa aquelles antiguos povos de Judea, & Arábia, haviam

da Gnomonia mui segura conhecença, & a praticavam com avondança antre si, do que copiosa notícia dam auctores antiguos, que muyta, & abalisada fée de nós

outros devem merecer.” 

A Gnomonia teria sido levada, segundo o mesmo Barão, para terras de Espanha e Portugal pelo árabe Alcafif, que ensinou em Salamanca, onde, já em provecta idade, “em negra melancolia se finou”, depois de haver flagrado a esposa, “a meyga e fermosa Cali Beb, em conversaçoens deshonestas com hum christam.” 

Teve tempo, em todo caso, de consolidar os “preceptos, doctrinas, ditos, & usanças da antígua Gnomonia” nas páginas do Tractado de Cabala, Artes Mágicas, Sortilégios, Alchimia, Medicinas, Estrologia, & demais conhecenças da humanal, terreal, & celestial composiçam, tiradas em grande parte do Talmud de Babylonia, de autoria do rabi Issac Ben Bazoque e publicado em

Leiria no ano de 1499. 

Ao longo de seu capítulo XXXV (De como se conhocem as perfeyçoens, partes, & manhas dos homens, & molheres, póla conjuncçam das pranetas na hora em que foram paridos, & como se hão de poer em consonância com as cinco taboas da Gnomonia), nos é revelado que os seres humanos se dividem em “Sabbat”, “Seraphinica”, “Bombarda”, “Oxymelesca” ou “Santomé” – em linguagem ovalle-schmidtiana, respectivamente Exército do Pará, Dantas, Kerniano, Mozarlesco e Onésimo!! Tamanho achado agradecemos ao já citado jornalista Humberto Werneck, que, damos fé, & mesmo sem o/a ciência ter, se faz présence spirituelle em nossa belorizontina Academia.

Com base na conjunção planetária, teria Issac predito que o futuro rei Dom Manuel, o Venturoso, seria Exército do Pará, ou sabbat, “& o foi.” O grande Vasco da Gama, que se jactava de ser Dantas, ou seraphinico, veio a saber, pelo sábio Abraham Zacuto, que na verdade pertencia ao mesmo Exército. O que se sucedeu à desditosa Inês de Castro, suposta seraphinica que o rabi confirmou como sendo

também sabbat. 

No tempo de Luís de Camões, informa nosso heróico Barão D’Ascurra, a Gnomonia já estava praticamente extirpada de Portugal, pois a Santa Inquisição a tinha na conta de prática de mouros e judeus. O cristão novo Gil Eannes Gouvêa, que cometeu o desvario de dizer que o Papa Leão X poderia ser santomé, ou onésimo, “houve de comparecer em auto de fée, & hi foy chammuscado como todolos preceptos, qual

gordo barocinho”. 

Assim perseguida, mergulhou a Gnomonia em quatro séculos de esquecimento até ser “novamente alevantada, & reanimada, graças aa sabença, & aos cuydados daquelle magnífico pessychologo, mestre Joam Pechvogel, lente na Universidade de Heidelberg, em Allemanha, o qual hi fundou a ‘Confraria pera estudo, meditaçam, & dilataçam da

Nova Gnomonia’.

A diferença entre as duas doutrinas é que a antiga, frisa Werneck, se baseia na astrologia e a segunda “na conhecença do humanal sprito, ou pessychologia, como soem dizer modernos”.

OBS.: Aos portadores de fino faro historiográfico; presume-se, por supuesto, que o verdadeiro, ‘original’ Barão d’Ascurra!!, fôra o f-i-c-t-í-c-i-o? ex-fidalgo da Casa Imperial João Ventura Carrazedo de Mendonça e Silva.

(CABERIA

A

NÓS

PETALÓGICOS

MINEIROS

REINAUGURÁ-

LA?

UMA

PÓS-NEOGNOMONIA

- TAL

QUAL

OS

CRONÓPIOS

& FAMAS

& ESPERANÇAS

DO

ARGENTINO

CORTÁZAR? -

A

SER

DADA

À

LUZ

NO/DO

SÉCULO

XXI?)

II - GNOMONIA

(NÃO

VELHA

NEM

NOVA)

É

PERDOEM

NOSSA

ETIMOLÓGICA

BOUTADE

UM

TIPO

DE

F-U-N-G-O?

(Tal nicho petalógico serve de homenagem ao pródigo geralista Humberto Werneck e, insopitavelmente, a Don Jayme Rojas de Aragon & Ovalle)

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