_Above, a video-performance teaser by the Brazilian choreographer
and ballerina Letícia Oliveira, created exclusively for this event.
Conception and artistic direction by Melgaço, dance by oliveira,
image capture by Ateliê Goitacazes, such dense audio-visual
work, filmed in one of the niches where the sonically
mirrored cataclysm took place, represents one of
the most visceral imagery-immersions in this sensitive
and impacting theme. the definitive record, with eleven
minutes in length, is available below, posted on the
twenty-fifth of July, exactly two and a half years
from when one of the catastrophes (Brumadinho)
- that inspired melgaço - occurred.
_Acima, teaser de vídeo-performance da coreógrafa e bailarina brasileira Letícia Oliveira, criada exclusivamente para este evento. Concepção e direção artística de Melgaço, dança de Oliveira, captação de imagens por Ateliê Goitacazes, tal obra Áudio-visual filmada em um dos nichos em que
se deu o cataclismo sonoramente espelhado, representa uma das
mais viscerais imagético-imersões em uma temática tão sensível
e impactante. o registro definitivo, com onze minutos de duração,
está disponível mais abaixo, postado no dia vinte e cinco de
Julho de 2021, a exatos dois anos e meio de quando uma das
catástrofes que inspirou melgaço, a de brumadinho, ocorreu.
+“Carta À
Sinfonia Brumariana;
Por L e t í c i a O l i v e i r a
Um convite deste grande artista, Otacílio Melgaço, já é de arrepiar e se estremecer! Suas obras sempre tocam o meu corpo e minha alma de maneira peculiar. Lugares pouco ou não acessados, íntimos, desconhecidos, investigativos, sensíveis. Antes mesmo de saber a temática desta Obra, já havia aceitado! Trabalhamos anos atrás juntos e muita coisa mudou na minha vida, em meu corpo e queria poder experimentar essa vivência. Ao aprovar tudo, Otacílio me trouxe o tema; ouvindo eu senti meu corpo paralisar. Estamos hoje em Junho de 2021, dançar sobre a tragédia de Brumadinho foi uma ruptura em um silêncio que está em mim há 2 anos e 6 meses. Otacílio não sabia de toda a minha relação com os efeitos daquele crime que resulta em uma tragédia, nem tão pouco a proximidade da minha moradia de todo ocorrido. 12 anos morando fora de casa e pelo menos 7 tentando reaproximar a minha família fisicamente de mim. Em janeiro de 2019, nos mudamos para Casa Branca, lugar que escolhi viver. Em 25 de Janeiro de 2019 às 11h da manhã eu estava fazendo o ultrassom de 36 semanas da minha gestação ao lado de meus entes; João foi responsável antes mesmo de nascer por trazer todos para perto. Às 13h30 eu tinha uma outra consulta e minha família recém mudada estava voltando para Casa Branca logo após o ultrassom. Cheguei para a outra consulta e quando vi meu telefone havia 245 chamadas não-atendidas, não esquecerei este número. No whatsapp inúmeras mensagens perguntando se eu estava bem e a primeira imagem que abri foi da lama atravessando o asfalto e mortes, mortes já era o previsto. Fiquei atordoada tentando falar com meus parentes que acabaram de pegar o trajeto de volta, tive atendimento especial no hospital por causa da gestação e uma hora de muita preocupação. Enfim, quando consegui notícias, estavam bem; o crime que resulta em uma tragédia havia ocorrido abaixo de nosso vilarejo e estavam sem comunicação por estarem envolvidos com o suporte aos que conseguiram escapar. Não é preciso dizer como seguiram os próximos dias em nossa comunidade, uma linda rede de ajuda e amparo, uma revolta e indignação imensurável. Dentro de mim, a maior transformação do meu corpo, da minha vida em ápice de movimento, inquietude. Dias 26,27, 28 e 29 de Janeiro muitas contrações precoces. Dia 30, bolsa rota. Subi a Serra do Rola Moça com a minha família ao meu lado, uma toalha embaixo do quadril, um filho na barriga sinalizando sua chegada ao mundo, um caminhão do IML na nossa frente. Esta cena jamais será apagada da minha memória. Como mãe de primeira viagem e talvez de todas as viagens, senti a responsabilidade da chegada de João, que mundo para você meu filho?! O que posso fazer por você? O recém-nascido trouxe luz, onde todos os dias eram números crescendo, decrescendo. Sendo registrados/apagados. Mortos, desaparecidos, pessoas e animais. O impacto do crime que resulta em uma tragédia trouxe medo, indignação, desequilíbrio pessoal, coletivo e ambiental. Não conseguia pensar como, ainda vivendo sob esses impactos, transformar tudo isso em arte. Em arte do corpo, aquele que sente, revive ao rememorar. Otacílio me deu toda liberdade para escolher um caminho e a minha proposta foi de não seguir o coreografar. Queria a partir da obra musical viver e expressar simultaneamente a dança, o movimento... ou melhor o não-movimento, tudo isso parece me paralisar, me revolta, me mata, a morte ausenta o movimento. Sinto a mente em pulso frenético e o corpo paralisado. Foi o que vi ao me ver na performance. Coreografar é o lugar perfeito da fineza estética, aperfeiçoar e dar forma para a releitura, não é o lugar da vivência real. Carregada de críticas e o despertar de imensas possibilidades estéticas ao rever o material de imagem, nada teria sido tão genuíno senão a própria vivência,
senão todas tensões musculares, fadigas
e dores que toda essa memória
é capaz de trazer.
Pés aterrados
Sensorial da vivência
Performar a si mesmo.”
C o d a
“´A superfície da terra e as ficções da mente têm um modo de se desintegrar em regiões distintas da arte. Vários agentes, tanto ficcionais quanto reais, de alguma maneira trocam de lugar entre si – é impossível evitar o pensamento lamacento quando se trata de projetos de terra,
ou daquilo que chamarei de ´geologia
abstrata´. A mente e a terra encontram-se em um processo constante de erosão: rios mentais derrubam encostas abstratas, ondas cerebrais desgastam rochedos de pensamento, idéias se decompõem em pedras de desconhecimento, e cristalizações conceituais desmoronam em resíduos arenosos de razão. Faculdades em amplo movimento se apresentam nesse miasma geológico e se movem da maneira o mais física possível. Embora esse movimento seja aparentemente imóvel, ele arrebenta a paisagem da lógica sob os devaneios glaciais. Esse fluxo lento torna consciente
o turbilhão do pensamento. Colapsos, deslizamentos de escombros, avalanches, tudo isso acontece dentro dos limites fissurados do cérebro. O corpo todo é sugado para o sedimento cerebral, onde partículas e fragmentos se fazem conhecer como consciência sólida. Um mundo frágil e fraturado cerca o artista. Organizar essa confusão de corrosões em padrão, gradações e subdivisões é
um processo estético que, pela maioria, mal foi tocado. Os estratos da Terra são um museu remexido. Incrustado no sedimento está um texto contendo limites e fronteiras que fogem à ordem racional e às estruturas sociais que confinam a arte. A fim de ler as rochas, temos de tomar consciência do tempo geológico, e das camadas de material pré-histórico enterradas na crosta da Terra. Quando se escavam os sites de ruínas da pré-história, o que se vê é
um monte de mapas em destroços que perturba os limites históricos de nossa arte atual. Um entulho de lógica confronta o observador
à medida que ele olha para dentro
dos níveis de sedimentação.
As grades abstratas contendo a matéria bruta são observadas como algo incompleto, quebrado e espalhado. (...) As ficções erigidas na torrente desgastada do tempo
são aptas para submergir
a qualquer momento. O próprio cérebro assemelha-se a uma rocha que sofreu erosão, uma rocha da qual vazam idéias e ideais.´
São colocações de Robert Smithson.
E, em epilogal paráfrase, indo ao encontro do esprit que norteou toda Sinfonia Brumaria: ´flutuando nesse rio temporal estão os remanescentes da história da arte, no entanto
o presente tem que explorar a mente pré e pós-histórica, tem que entrar em lugares onde
futuros remotos encontram passados
remotos, onde passados remotos
encontram futuros remotos.´”
[Otacílio melgaço]