

“Um dia ainda entra em desuso matar gente.”
(João Guimarães Rosa; Grande Sertão: Veredas)
Rompimento da Barragem de Mariana
O rompimento da barragem em Mariana ocorreu na tarde de 5 de novembro de 2015 no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município brasileiro de Mariana, Minas Gerais.[3] Rompeu-se uma barragem de rejeitos de mineração denominada "Fundão", controlada pela Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton.[4]
Inicialmente a mineradora Samarco informara que duas barragens haviam se rompido - a de Fundão e a de Santarém. Porém, no dia 16 de novembro, a Samarco retificou a informação, afirmando que apenas a barragem de Fundão havia se rompido. O rompimento de Fundão provocou o vazamento dos rejeitos que passaram por cima de Santarém, que, entretanto, não se rompeu.[5] As barragens foram construídas para acomodar os rejeitos provenientes da extração do minério de ferro retirado de extensas minas na região.
O rompimento da barragem de Fundão é considerado o desastre industrial que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos, com um volume total despejado de 62 milhões de metros cúbicos.[6][7][8] A lama chegou ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio.[9]
Ambientalistas consideraram que o efeito dos rejeitos no mar continuará por pelo menos mais cem anos, mas não houve uma avaliação detalhada de todos os danos causados pelo desastre. Segundo a prefeitura do município de Mariana, a reparação dos danos causados à infraestrutura local deverá custar cerca de cem milhões de reais.[10][11]
Panorama do desastre
Controladas pela Samarco Mineração S.A. (um empreendimento conjunto entre a Vale S.A. e a BHP Billiton),[12] as barragens de Fundão e Santarém fazem parte da Mina Germano, situada no distrito de Santa Rita Durão, município de Mariana, localizado na Microrregião de Ouro Preto da Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte. Foram construídas para acomodar os rejeitos provenientes da extração do minério de ferro retirado de extensas minas na região.[13]
A barragem de Fundão passava por um processo de alteamento, quando ocorre a elevação do aterro de contenção, pois o reservatório já chegava a seu ponto limite, não suportando mais o despejo dos dejetos da mineração.[14][15]
Aproximadamente às 15h30min da tarde do dia 5 de novembro de 2015, a contenção apresentou um vazamento. Neste momento, uma equipe de funcionários terceirizados foi enviada ao local e tentava amenizar o vazamento esvaziando parte do reservatório.[16] Por volta das 16h20min ocorreu o rompimento, que lançou um grande volume de lama sobre o vale do córrego Santarém.[17]
Os subdistritos de Bento Rodrigues, que se localiza a cerca de 2,5 quilômetros vale abaixo, e Paracatu de Baixo, foram quase completamente inundados e destruídos pela enxurrada de lama que se seguiu após o desastre na barragem.[18] Outros vilarejos e distritos situados no vale do rio Gualaxo também foram atingidos pela enxurrada.[19]
Por conta de sua localização e dos acessos precários, contando apenas com estradas vicinais não pavimentadas para fazer contato com os demais distritos e a sede do município, Bento Rodrigues ficou completamente inacessível por via terrestre, sendo possível o acesso apenas por helicóptero, o que dificultou em muito o acesso dos bombeiros para os trabalhos de resgate.[20] Havia uma escola na área onde ocorreu a inundação e os professores conseguiram remover os alunos antes da escola ser atingida.[21]
Um agravante da situação foi que o empreendimento e as comunidades vizinhas à barragem não possuíam um plano de contingência, nem rotas de fuga que permitissem aos moradores se deslocarem a tempo para regiões seguras.[22]
Danos aos ecossistemas do Rio Doce
Por volta de 18h30 do dia 5 de novembro, os rejeitos de minério de ferro chegaram ao Rio Doce.[23] A bacia do rio tem uma área de drenagem de cerca de 86.715 quilômetros quadrados, sendo 86% em Minas Gerais e o restante no Espírito Santo. No total, o rio abrange 230 municípios que utilizam o seu leito como subsistência.[9]
Ambientalistas acreditavam ser incerta a possibilidade de se recuperar o rio. Segundo o biólogo e ecólogo André Ruschi, que atua na Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, no distrito de Santa Cruz, município de Aracruz, no Espírito Santo, os rejeitos só começarão a ser eliminados do mar em cem anos, no mínimo.[9]
Os rejeitos atingiram também a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, que fica em Santa Cruz do Escalvado, a cerca de cem quilômetros de Mariana. Segundo a concessionária que administra a usina, o seu funcionamento não foi prejudicado.[24]
No dia 9 de novembro, a prefeitura de Governador Valadares interrompeu a captação de água por conta da lama que invadiu o rio Doce.[25] No dia seguinte, foi decretado Estado de Calamidade Pública, em função do desabastecimento de água na cidade.[26] No dia 13 de novembro, o Exército Brasileiro montou um ponto de distribuição gratuita de água fornecida pela Samarco, na praça dos Esportes, no centro da cidade.[27]
No dia 16 de novembro, a onda de lama e rejeitos de minério chegou ao município de Baixo Guandu, no noroeste do Espírito Santo. A prefeitura suspendeu o abastecimento pelo Rio Doce.[28]
O IBAMA informou que, das 80 espécies de peixes que ocorrem no rio Doce, 11 estão ameaçadas de extinção e 12 são endêmicas, só existem nesta bacia hidrográfica e podem ter sido extintas.[29] Estima-se que ocorriam mais de cem espécies de peixes na bacia do rio Doce, das quais seis estão oficialmente ameaçadas de extinção. A mortandade verificada logo após o desastre e o grande número de espécies crípticas da bacia reforçam as preocupações sobre a extinção de peixes endêmicos ainda desconhecidos e de espécies importantes para a sobrevivência das comunidades locais que exploram a atividade pesqueira. Os efeitos sobre as espécies que utilizam o estuário em alguma fase de seus ciclos de vida são desconhecidos, assim como os danos em longo prazo aos peixes marinhos.[30]
Danos aos ecossistemas marinhos
No dia 22 de novembro, a lama chegou ao mar, no Norte do Espírito Santo. A prefeitura de Linhares interditou as praias de Regência e Povoação e emitiu um alerta para que as pessoas não entrem na água. Foram espalhadas placas ao longo das praias informando que a água está imprópria para o banho.[31][32]
Em dois dias a mancha de lama se alastrou por mais de 15 quilômetros ao norte da foz do Rio Doce e mais sete quilômetros rumo ao sul.[2] Uma das regiões afetadas foi a Reserva Biológica de Comboios, unidade de conservação costeira que protege o único ponto regular de desova de tartaruga-de-couro na costa brasileira.[33]
Após atingir o oceano, a lama provavelmente afetará milhares de espécies da fauna e flora marinhas. O pouco estudado cnidário Kishinouyea corbini é uma espécie emblemática desta situação, pois é extremamente rara e tem uma distribuição geográfica restrita e que se sobrepõe com a área afetada pelo desastre.[34]
Toxicidade dos rejeitos
Análises realizadas em Governador Valadares encontraram na massa de lama quantidades superiores aos valores aceitáveis de metais pesados como arsênio, chumbo e mercúrio. Esses metais, possivelmente utilizados em garimpos ilegais ao longo do rio Gualaxo do Norte, foram carregados pela torrente de lama.[35]
Embora a mineradora Samarco tenha afirmado repetidamente que a lama não é tóxica, especialistas divergem. Segundo eles, os sedimentos que estavam depositados na barragem provavelmente contêm compostos químicos, usados pela mineradora para a remoção seletiva de sílica durante a flotação de minérios - ou seja, para remover as impurezas do minério. Compostos conhecidos como aminas de éter são geralmente utilizados para separar sílica do minério de ferro. Pelo menos alguns desses compostos, segundo o fabricante, Air Products and Chemicals,Inc., não são prontamente biodegradáveis e têm elevada toxicidade para os organismos aquáticos.[36] São também capazes de elevar os níveis de pH da água e do solo, causando desequilíbrios nos ecossistemas.[37]
Além disso, a lama reduz os níveis de oxigênio na água, e, à medida que os sedimentos endurecem, podem alterar o curso das correntes e diminuir a fertilidade do solo. Segundo Klemens Laschesfki, professor de geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, com o endurecimento da lama, a agricultura será dificultada, e a grande quantidade de lodo que irá se assentar no fundo do Rio Doce e afluentes poderá alterar o curso da bacia hidrográfica.[38]
De acordo com os relatórios divulgados pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em 15 de dezembro de 2015, a grande mortandade de peixes teria sido causada não pela toxicidade dos rejeitos, mas pela concentração extremamente elevada de sedimentos (turbidez) na água, durante a passagem da lama, o que reduziu a concentração de oxigênio dissolvido na água e obstruiu as guelras dos peixes, fazendo com que morressem por asfixia.[39][40] De acordo com as análises realizadas, a água do rio Doce não está contaminada por metais tóxicos. "As amostras de água coletadas ao longo do rio Doce não evidenciaram a presença de metais dissolvidos em quantidades que possam ser consideradas como contaminadas", conforme comunicado distribuído pelas duas entidades.[41] Foram analisadas amostras de água e sedimentos de 25 pontos, desde o epicentro do desastre, em Mariana, até a foz do rio Doce, em Linhares (Espírito Santo). Os resultados dessas análises asseguram que, depois de adequadamente tratada, a água pode ser consumida sem riscos. Quanto à presença de metais pesados dissolvidos na água (arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, cobre, zinco e outros), os quantitativos são similares aos constatados em 2010 pela CPRM. Curiosamente, as concentrações mais altas de arsênio, manganês e ferro foram registradas no rio do Carmo, em áreas não afetadas pelos rejeitos da barragem.[42]
Um grupo de cientistas independentes também coletou amostras de lama ao longo dos rios Doce, Gualaxo do Norte e Carmo. O grupo constatou a presença de metais pesados em diversos trechos desses cursos d'água, inclusive em pontos a montante do trecho atingido pela lama da barragem, indicando que tais elementos já estavam presentes no rio antes mesmo do rompimento das barragens. Segundo a toxicologista Vivian Santos, integrante do grupo, foi possível observar uma quantidade muito grande de material de mineração (provavelmente metal inerte) nos sedimentos. De todo modo, ela acredita que "o monitoramento da concentração de metais dissolvidos nesta bacia hidrográfica deve ser muito mais rigoroso de agora em diante".[43][44]
A Vale e a BHP (donas da Samarco) já haviam negado que a lama da barragem fosse tóxica. Em 26 de novembro, a BHP havia declarado em seu site que "os rejeitos que entraram no Rio Doce são compostos de materiais de argila e lodo, provindos da lavagem e processamento de terra contendo minério de ferro, que é naturalmente abundante na região. Com base em dados disponíveis, os rejeitos são considerados quimicamente estáveis. Eles não irão alterar a composição química na água e permanecerão no ambiente como solos normais na bacia hidrográfica."[45][42]
De todo modo, mesmo antes da enxurrada de lama, o rio Doce se encontrava bastante degradado, em consequência de séculos de desmatamento, poluição, assoreamento, construção de barragens, pesca predatória e introdução de espécies exóticas, como o dourado e a tilápia, que geram renda para os pescadores, mas substituem a fauna nativa. Além disso, a estiagem extrema reduziu drasticamente o volume de água no rio e, consequentemente, sua capacidade de diluir a lama que escorreu da barragem. Pesquisadores e autoridades apontam para a necessidade de restauração em grande escala de toda a bacia hidrográfica do rio Doce - e não apenas de remoção da lama. "Temos de aproveitar isso como uma oportunidade para testar um grande processo de recuperação ambiental", diz João Pessoa Moreira Júnior, da Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas (DBFLO) do Ibama, enquanto acompanhava os esforços de resgate de fauna na região. Segundo o titular da DBFLO, Paulo Fontes, a recuperação do rio deve levar, no mínimo, dez anos mas é possível.[46]
Danos à infraestrutura de Mariana
Segundo a administração de Mariana, seriam necessários cem milhões de reais para reparar os danos causados à infraestrutura do município.[10] Esse valor corresponde a quatro vezes o valor que o município recebeu, em 2015, a título de royalties (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais ou CFEM), pelo minério explorado: entre janeiro a outubro daquele ano, Mariana recebeu da Samarco 24,3 milhões de reais a título de compensação financeira pela exploração mineral.[10]
O total pago em 2015 pela Samarco, a título de CFEM (calculada à base de 2% sobre o valor líquido da venda do minério), foi de cerca de 37,4 milhões de reais. Desse valor, 65% (24,3 milhões de reais) foram para o município; o restante foi dividido entre o governo de Minas Gerais (23%) e a União (12%).[10] A Samarco lucrou 13,3 bilhões de reais entre 2010 e 2014. O lucro de 2014 foi de 2,8 bilhões de reais, segundo dados do site da empresa.[10]
A suspensão da licença ambiental da Samarco em dezembro de 2015 e subsequente embargo das atividades causou impacto negativo na economia de Mariana, com quedas de 60% no comércio e perdas de R$ 5 milhões em arrecadação. Moradores fizeram em março de 2016 protestos pedindo a volta das atividades da Samarco, que esperava ainda naquele ano reativar a mineração na região.[47][48]
Apuração das causas
O Ministério Público de Minas Gerais havia sido contrário à renovação da licença de funcionamento da barragem, tendo solicitado a realização de análise de ruptura e um plano de contingência para o caso de riscos ou acidentes. Segundo o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, a tragédia "não foi um acidente, tampouco fatalidade" mas erro na operação e negligência no monitoramento da barragem.[49]
Após o desastre, soube-se também que a barragem de Fundão, além de receber os rejeitos da Samarco, recebia rejeitos de minérios provenientes da mina de Alegria, também pertencente à Vale. O volume desses rejeitos, lançados na barragem por meio de dutos, seria correspondente a menos de 5% do volume total represado. Todavia, posteriormente, foi noticiado que esse volume seria, na verdade, bem superior ao que fora declarado pois, segundo documentos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), os rejeitos da mina de Alegria corresponderiam a 28% do total então contido no reservatório, ultrapassando dezoito milhões de metros cúbicos em 2014. A Vale, entretanto, reiterou sua afirmação anterior, explicando que "o cálculo de percentual indicado no documento do DNPM apresentado pela procuradoria de Minas Gerais leva em consideração o volume total de rejeitos produzidos na mina de Alegria. No entanto, aproximadamente 85% desses rejeitos eram destinados à barragem de Campo Grande, que é da própria Vale. O restante (cerca de 15%) era destinado à Samarco. Essa quantidade corresponde aproximadamente a 5% do volume total depositado na barragem de Fundão nos últimos anos."[50]
Em fevereiro de 2016, o Ministério Público encaminhou o inquérito contra a Samarco, que pedia a prisão do presidente licenciado Ricardo Vescovi e mais seis pessoas, para a Justiça Federal, considerando que a extensão dos danos configurava "lesão a bem de interesse federal".[51]
Comissões parlamentares
Na primeira quinzena de novembro de 2015, foram criadas, na Câmara Federal e nas Assembleias Legislativas dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, três Comissões Especiais para acompanhar o caso e as providências adotadas. Segundo divulgação pela imprensa, muitos dos parlamentares integrantes dessas três comissões receberam doações de empresas do grupo Vale para financiar suas campanhas eleitorais. Tais doações somaram R$ 2,6 milhões e são legais, informadas pelos candidatos à Justiça Eleitoral.[52][53]
Multas
Em relação às multas, a legislação brasileira prevê um teto de R$ 50 milhões e uma eventual alteração desse valor depende de aprovação do Congresso Nacional.[54] O Ibama aplicou 5 multas neste valor máximo, totalizando 250 milhões de reais. A presidente do Ibama, Marilene Ramos, disse que "o valor de R$ 50 milhões está estabelecido há muitos anos, sem reajuste. Esse é um mal de se estabelecer valores em lei quando esses valores ao longo do tempo vão se perdendo".[54]
Em acordo como o Ministério Público Federal, a Samarco se comprometeu a realizar um pagamento de uma caução socioambiental de R$ 1 bilhão, num documento assinado em Belo Horizonte na sede do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do Ministério Público (Nucam).[55] Para efeitos comparativos, a explosão da plataforma Deepwater Horizon no ano de 2010 no Golfo do México, que matou doze pessoas e poluiu parte das águas do golfo, prejudicando o habitat de centenas de espécies de aves, mas que não afetou o abastecimento de água de localidade alguma, resultou na criação de um fundo que, juntamente a outros gastos correlatos, custou à empresa responsável, a britânica BP, um montante de US$ 42,2 bilhões para reparação de danos,[56] e a empresa foi condenada no ano de 2015 a pagar uma multa de US$ 18,7 bilhões de dólares.[57] Novo acordo em 2016 aumentou a quantia a ser desembolsada pela Samarco para R$ 4,4 bilhões até 2018,[58] com a presidente Dilma Rousseff acrescentando que após 2018 haveria um aporte anual de R$ 1,8 bilhão.[59]
Reações
Samarco: Kleber Luiz de Mendonça Terra, diretor de operações e infraestrutura da Samarco, pronunciou-se durante uma entrevista coletiva dizendo que "a Samarco também está envolvida e estamos muito solidários e muito sofridos com tudo que aconteceu. Não acho que seja o caso de desculpa, acho que é o caso de verificar claramente o que aconteceu".[60] Alguns dias depois o diretor presidente da empresa, Ricardo Vescovi de Aragão, disse em entrevista exclusiva ao programa Fantástico que "Nós perdemos vidas, e isso é inadmissível. Nós não sabemos as causas, mas sabemos das consequências e temos que nos desculpar com as famílias, com as pessoas que perderam os lares, com os ribeirinhos, que tem o rio Doce como sustento... Nos desculpar com a população de Minas Gerais, com o povo do Espírito Santo e com os nossos funcionários."[61]
Nacionais
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Município de Mariana: A prefeitura iniciou imediatamente uma campanha de arrecadação de donativos para os desabrigados, frisando a necessidade urgente de doações de escovas de dente, toalhas de banho, copos, talheres, pratos descartáveis e especialmente água potável. Também foi aberta uma conta bancária para receber doações em dinheiro.[62] Também foram cancelados todos os eventos municipais desde o dia do acidente até o dia 16 de novembro. A nota da prefeitura afirmava que "neste momento, a Prefeitura de Mariana está focada no trabalho de resgate e suporte aos atingidos".[63]
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Governo Federal: Por meio do Ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, colocou as forças federais à disposição do Estado de Minas Gerais. O ministro entrou em contato com o governador de Minas, Fernando Pimentel, para colocar as forças federais à disposição. Jaques Wagner comunicou a presidente Dilma Rousseff sobre o acidente antes do embarque dela de volta de uma viagem a Alagoas para Brasília.[64][65]
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Igreja Católica: A Arquidiocese de Mariana se manifestou: "Manifestamos nossa mais sentida solidariedade às famílias que tiveram suas casas e seus bens destruídos e às que choram a morte de seus entes queridos, vítimas dessa catástrofe de proporções incalculáveis. O momento é de unir esforços para minimizar a aflição e o sofrimento de todos os que foram atingidos por essa tragédia. Exortamos nossas comunidades a prestarem sua solidariedade às vítimas. [...]. Rogamos a Deus fortalecer e consolar, com seu amor generoso, todos os que foram atingidos por esse acidente."[66] Além da Arquidiocese de Mariana, as Dioceses de Itabira e de Três Lagoas e o Regional Leste II da CNBB, que compreende os territórios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, também divulgaram notas de solidariedade aos afetados pela tragédia.[67]
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Cruzeiro Esporte Clube: Na partida de futebol entre Cruzeiro e São Paulo de 8 de novembro, no Mineirão, houve arrecadação de feijão, óleo, macarrão e água mineral.[68]
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Município de Baixo Guandu: O prefeito, Neto Barros, referiu-se ao acontecido como "um crime ambiental sem precedentes" e ordenou o bloqueio da Estrada de Ferro Vitória a Minas como forma de protesto.[69][70]
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Dois shows beneficentes intitulados Sou Minas Gerais foram realizados em Dezembro de 2015, contando com a participação de Criolo, Caetano Veloso, Jota Quest e outros artistas. R$493 mil foram arrecadados e doados ao Greenpeace, que usará as verbas para pesquisar os impactos causados pela tragédia.[71]
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A comediante mineira Gorete Milagres passou janeiro de 2016 visitando cidades afetadas ao longo do rio Doce, e registrou sua jornada em um documentário, Rio Doce – 60 dias depois.[72]
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As paulistas Helena Wolfenson, filha do fotógrafo Bob Wolfenson, e Aline Lata, acompanharam a devastação em Minas ao longo de dez dias em novembro, e registraram no documentário Rastro de Lama, financiado coletivamente.[73][74]
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Em 11 de novembro de 2017, o Grupo Teatro Nervoso, da cidade de Ipatinga-MG, estreou o espetáculo "Rejeitos", dirigido por Camila Vaz, em homenagem às vítimas do rompimento da barragem de Fundão e à comunidade ribeirinha.[75]
Internacionais
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França: O país apresentou suas condolências. "Nós nos inteiramos com emoção do rompimento das barragens mineradoras no estado de Minas Gerais", declarou o porta-voz do ministério das Relações Exteriores, Romain Nadal.[76]
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Estados Unidos: A banda norte-americana Pearl Jam se apresentou em Belo Horizonte na semana seguinte ao rompimento da barragem. Durante o show no Mineirão, o vocalista Eddie Vedder pediu punição para os responsáveis, e prometeu doar o cachê da banda, de US$ 100 mil, para as comunidades impactadas. Em março de 2016, o Instituto Bioatlântica recebeu a quantia de US$ 33 mil.[71]
Fundação Renova
Ver artigo principal: Fundação Renova
Após a assinatura de um Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) entre a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, com os governos federal e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, foi criada a Fundação Renova, instituição responsável por conduzir os programas de reparação, restauração e recuperação socioeconômica e socioambiental nas áreas impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão.[77][11]
Responsabilidades legais
Para Maria Galleno de Souza Oliveira, especialista em desastres ambientais e consultora em gestão ambiental e de risco de desastres, na ocorrência de um desastre socioambiental, algumas dúvidas são arguidas, entre elas, sobre a quem compete a responsabilidade pelos danos causados pelo desastre. Segundo ela, existem várias legislações sobre o tema, entre elas, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) - Lei nº 6.938/1981, a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) - Lei nº 12.334/2010, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - Lei nº 12.609/2012, as portarias da Agência Nacional de Mineração (antigo Departamento Nacional de Produção Mineral), as portarias da Agência Nacional de Águas (ANA) e as resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Assim, compreende a autora, que "o conjunto desses marcos regulatórios, decretos, portarias e resoluções emitidas pelos vários órgãos citados, estabelecem os parâmetros pelos quais se estrutura a responsabilidade pelos danos causados em caso de rompimento de barragens, quais os órgãos e entes fiscalizadores, as competências e limites do seu exercício."[78]
Dessa forma, no que se refere às barragens, a Política Nacional de Segurança de Barragens atribui a responsabilidade legal pela segurança da barragem ao empreendedor, neste caso, objetivamente a empresa mineradora Samarco. Por outro lado, também podem responder de forma subsidiária, os órgãos fiscalizadores, em se comprovando a ação ou omissão, e que houve culpa ou dolo por parte desses órgãos e que a conduta da administração pública concorreu para o resultado danoso.[78]
Referências
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"O minério de ferro de baixo teor, como o itabirito brasileiro, tem de ser concentrado usando separação magnética e gravimétrica ou flotação. A flotação inversa é o método de concentração largamente utilizado no beneficiamento de minérios de ferro de baixos teores. As aminas são os coletores catiônicos mais importantes e os únicos usados industrialmente. (...) Provavelmente, a maior parte deste reagente fica contida na polpa do rejeito. No melhor caso, após um longo tempo de residência, uma parte da água sem amina será reutilizada como água de processo. Esta polpa é descartada para as barragens de rejeito e, consequentemente, é uma fonte de contaminação de águas."
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↑ Samarco quer voltar a operar ainda em 2016, diz presidente
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↑ Vale jogou mais lama em barragem do que havia declarado, aponta laudo. Folha de S. Paulo, 4 de dezembro de 2015
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↑ MP pede que inquérito de MG sobre Mariana seja enviado à Justiça Federal
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↑ Ir para:a b Vale doou à metade dos deputados da Comissão do Rio Doce. Empresa doou R$388,7 mil para os deputados estaduais da Comissão. G1, 9 de novembro de 2015
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↑ Ir para:a b c d UOL Notícias: Deputados que vão apurar tragédia em Mariana receberam R$ 2 milhões da Vale
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“Se todo animal inspira ternura,
o que houve, então, com os homens?”
(João Guimarães Rosa; Grande Sertão: Veredas)
Rompimento da Barragem de Brumadinho
O rompimento de barragem em Brumadinho em 25 de janeiro de 2019 foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século.[2] Foi um dos maiores desastres ambientais da mineração do país, depois do rompimento de barragem em Mariana.[3]
Controlada pela Vale S.A., a barragem de rejeitos denominada barragem da Mina Córrego do Feijão,[4] era classificada como de "baixo risco" e "alto potencial de danos"[5] pela empresa. Acumulando os rejeitos de um mina de ferro, ficava no ribeirão Ferro-Carvão, na região de Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, estado de Minas Gerais.
O desastre industrial, humanitário[6] e ambiental causou a morte de 259 pessoas e o desaparecimento de outras 11.[1] A tragédia fez com que o Brasil se tornasse o país com o maior número de mortes neste tipo de acidente, somando-se a outros dois desastres com perdas humanas ou graves danos ambientais: o rompimento da barragem da Herculano Mineração, em Itabirito (2014, com três mortes) e o rompimento da barragem em Mariana (2015, com dezenove mortes).
Contexto
O Brasil se recuperava de uma crise econômica e política que atingia o país desde 2014. Muitas instituições, principalmente as governamentais, mergulharam em uma profunda desestabilização.[7] A tensão gerou uma instabilidade financeira e desequilíbrio fiscal, fragilizando órgãos e empresas, sobretudo o setor de meio ambiente, que não vinha recebendo prioridade, sofrendo com cortes de verbas para estudos, investimentos, fiscalização e prevenção de desastres, tanto a nível federal como estadual.[8][9] De 2013 a 2018, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente caiu mais de 1,3 bilhão de reais, uma pasta que, historicamente, já tinha um orçamento bastante inferior se comparado a outros ministérios.[8] Segundo o governo federal, em 2018, era preciso assegurar o cumprimento das metas fiscais diante do momento fiscal,[8] e se viu obrigado a reduzir os gastos em todos os órgãos da União. Diante das crises, especialmente a fiscal, especialistas já alertavam, com uma legítima preocupação, para o risco de aumento de desastres e tragédias, sobretudo relacionados ao meio ambiente.[10][8] O governo de Minas Gerais também sofria uma consequente crise econômica e política, gerando endividamento, o que o levou a decretar estado de calamidade financeira "para evitar o colapso da prestação de serviços públicos de responsabilidade do estado",[11][12] situação caótica que também afetou outras unidades federativas.[13][14]
A situação do departamento encarregado de vistoriar as mineradoras situadas no estado de Minas Gerais, à época do desastre de Mariana, em novembro de 2015, era de uma perspectiva de perder mais 40% dos servidores nos dois anos seguintes.[15] Especialistas afirmavam que o Brasil sofria com uma estrutura deficiente dos órgãos reguladores e brechas na regulação estimulavam a impunidade.[16] Três anos depois do desastre em Mariana, as empresas envolvidas, como a Samarco, haviam quitado apenas 3,4% de 785 milhões de reais em multas.[17] Um projeto que tornavam mais rígidas as regras para as barragens foi desenvolvido e apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas não recebeu apoio, não avançando para aprovação.[18]
Cerca de 126 famílias do povo indígena Krenak viviam espalhadas em sete aldeias às margens do rio Doce.[19] Antes do desastre de Mariana eles pescavam, caçavam e viviam abastecidos pela água do rio mas depois, com a poluição causada pela lama de rejeitos, viram-se dependentes de recursos estatais para a sua subsistência.[19] As terras tornaram-se improdutivas, os animais desapareceram da região e o rio ficou inutilizável, estimando-se que o processo para sua recuperação pudesse levar uma década.[19] O desastre de Mariana foi o mais grave desastre ambiental da história provocado por vazamento de minério, em termos de destruição de ecossistemas de água potável, mata ciliar, afetando drasticamente a pesca, a agricultura e o turismo nas localidades ao longo de quinhentos quilômetros de curso do rio Doce, que foi contaminado pelos rejeitos.[20] De acordo com a ONU, "o aniquilamento dos ecossistemas de água potável, vida marinha e mata ciliar eliminou recursos naturais insubstituíveis para a vida ribeirinha, para pesca, a agricultura e o turismo", em um relatório publicado em 2017 sobre desastres com barragens de minério no mundo, com o título de Mine Tailing Storage: Safety is no Accident.[21][22] Segundo o relatório, o evento mais trágico envolvendo barragens de minério havia sido até então o rompimento da barragem do vale de Stava em 1985, na Itália, empreendimento administrado pela Prealpi Mineraria. O despejo de 180 mil metros cúbicos de rejeitos causou a morte de 267 pessoas. O relatório utilizou um sistema de classificação de gravidade de desastres que levava em conta o volume de rejeitos espalhados, o tamanho da área afetada e o número de mortos. No inicio de 2019, quando o Brasil era o segundo maior exportador de minério, atrás apenas da Austrália, estatisticamente teria uma grande probabilidade de colapsos em barragens.[5]
O então recém empossado presidente, Jair Bolsonaro, declarou durante campanha presidencial em 2018 propostas de alterações nas leis ambientais e a flexibilização do setor, desburocratizando os processos de licenciamentos, além de uma reforma ministerial com uma possível extinção do Ministério do Meio Ambiente. "Quero fundir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Não pode ter ambientalismo xiita no Brasil".[23][24] Três dias antes do rompimento da barragem, em seu primeiro compromisso internacional, Bolsonaro discursou na abertura da seção plenária do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.[25] Em sua fala abordou temas importantes e de diferentes áreas. Quanto ao meio ambiente afirmou que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente, e que a missão do governo "é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico. (...) Temos a maior biodiversidade do mundo e nossas riquezas minerais são abundantes".[26] Seu discurso suscitou desconfianças internacionais em relação à sua política de governo com relação à preservação ambiental.[27] Bolsonaro, que havia assumido o governo três semanas antes, foi duramente criticado por ambientalistas,[28] principalmente pelas mudanças que implementou na estrutura de preservação do meio ambiente, alterações que consideraram negativas na política ambiental.[29]
Mina de Córrego do Feijão
Em 2018, a Mina de Córrego do Feijão, onde estavam localizadas sete barragens, produziu 8,5 milhões de toneladas de minério de ferro em 2018, o equivalente a 2 por cento da produção de minério de ferro da mineradora Vale.[30] A mina faz parte do Complexo de Paraopeba, cuja produção em 2018 foi de 27,3 milhões de toneladas, aproximadamente 7% da produção da Vale. O complexo, constituído de treze estruturas utilizadas para disposição de rejeitos, retenção de sedimentos, regulação de vazão e captação de água,[30] incluindo a Mina de Córrego do Feijão. Esta, além da barragem, tinha várias estruturas administrativas e de apoio, como o centro administrativo, refeitório e oficinas de manutenção, além de terminal de carregamento e uma pequena malha ferroviária para escoamento do minério de ferro.[30][31]
Licenciamento
Em novembro de 2018, o conselho gestor do Parque Estadual do Rola-Moça, paritário e de caráter consultivo e não deliberativo, foi consultado sobre a continuidade do processo de licenciamento ambiental que abria a possibilidade de mineração na zona de amortecimento do parque.[10] Dez dos 22 conselheiros votaram pela continuidade das atividades da mina de Córrego do Feijão, que se encontrava desativada, juntamente com a eliminação da barragem de rejeitos. Foram três votos contrários e uma abstenção. Entidades de proteção ambiental e moradores das comunidades protestaram contra a expansão da mineração, que aumentaria em 88% sua capacidade de extração de minério até o ano de 2032.[32]
O Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc), uma ONG voltada para a preservação ambiental, emitiu um parecer em dezembro de 2018, em que constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento aprovado pelo Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM), ligado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Segundo apurou, as licenças prévias de instalação e de operação, que deveriam ser no modelo LAT ou trifásico, foram concedidas à Vale conforme o modelo LAC1, procedimento bem mais simples, por uma deliberação do governo mineiro. Além disso, o requerimento da mineradora tinha problemas técnicos, por exemplo, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não apresentava a delimitação correta da Área de Influência Direta (AID). O empreendimento previa ainda uma expansão física, invadindo a vegetação existente em Área de Preservação Permanente (APP), considerada área importante para conservação da biodiversidade na zona de amortecimento do Parque Estadual do Rola-Moça.[32]
Em 11 de dezembro foi aprovado pelo COPAM, a pedido da Vale, a licença para que a empresa ampliasse a capacidade produtiva da Mina de Jangada e da Mina Córrego do Feijão, das então 10,6 milhões de toneladas por ano para 17 milhões de toneladas por ano. Em 10 de janeiro de 2019 a Associação Comunitária da Jangada apresentou um recurso no governo do estado para anulação da licença.[10][33]
Barragem 1
A barragem 1 do Córrego do Feijão foi construída em 1976 pela Ferteco Mineração, adquirida pela Vale em 2001. Foi ampliada em várias etapas e por diversos projetistas e empreiteiros. Houve, portanto, sucessivos alteamentos para montante, isto é, várias construções de degraus com os próprios rejeitos.[35] No cadastro nacional da Agência Nacional de Mineração (ANM) e de acordo com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), a barragem era avaliada como uma estrutura de pequeno porte com baixo risco, e tinha a classificação de alto dano potencial, a maior classe da legislação, ou seja, de grande potencial poluidor, com dano potencial associado alto, que traz perdas de vidas humanas e impactos econômicos,[36] sociais e ambientais.[30] Como agravante, a barragem não possuía contrato de seguro, pois estava inativa.[37]
Por lei, é obrigatória a instalação de sistemas de alerta sonoro em áreas que podem ser atingidas pelo rompimento de barragens e há tecnologia disponível para que sirenes de emergência sejam acionadas em qualquer circunstância. Isso vai de encontro com o Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) que a empresa deve possuir e por em prática. Em 2010, a Política Nacional de Segurança de Barragens determinou que as barragens devem ter este plano, que contenha, no mínimo, mecanismos de estratégias e “meio de divulgação e alerta para as comunidades potencialmente afetadas em situação de emergência". Segundo especialistas consultados do curso de Engenharia de Minas da Universidade de São Paulo e do Instituto de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Itajubá, um sistema de sirenes bem projetado não deve ser acionado apenas no momento do rompimento de uma barragem, mas sim detectando e alertando anormalidades precedentes.[38]
Em 2016 foi sancionada uma lei estadual pelo governo de Minas Gerais estabelecendo que, em caso de atividade que pudesse colocar vidas humanas em grave risco, o licenciamento ambiental deveria conter um Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) que incluísse um "sistema de alerta sonoro ou outra solução tecnológica de maior eficiência".[39] A única informação fornecida pela Vale, até então, sobre o sistema de alerta sonoro foi que havia oito sirenes instaladas no entorno da unidade operacional local, além de possuir um sistema de videomonitoramento. Pelo menos uma das sirenes estava localizada na região do Parque da Cachoeira, bairro da zona rural de Brumadinho, contudo, o sistema só foi instalado em 2018 e nunca soou, nem para teste ou treinamento. De acordo com a política interna da companhia, as sete barragens possuiriam níveis de alerta em uma escala de 1 a 3. Em outubro de 2018 a rota de fuga prevista no PAEBM teria sido executada e o treinamento interno com funcionários realizado.[39]
Um estudo realizado por um engenheiro geotécnico que trabalhava há mais de vinte anos na Vale apontou a possibilidade de liquefação na barragem 1 da Mina de Brumadinho. A dissertação defendida em 2010 por Washington Pirete da Silva na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) concluiu que os rejeitos presentes na estrutura seriam de materiais que tenderiam a exibir "susceptibilidade potencial a mecanismos de liquefação".[35] Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável informou que o empreendimento em Brumadinho estava devidamente licenciado. A barragem 1 não recebia rejeitos desde 2014 e, segundo a companhia, quinzenalmente passava por inspeções de campo. Em dezembro de 2018, a Vale obteve licença para o reaproveitamento dos rejeitos dispostos nesta barragem (cerca de 11,7 milhões de metros cúbicos) e, posteriormente, encerramento definitivo de atividades.[40] Em 2019, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), 45 barragens apresentavam alto risco recentemente no país.[5]
Colapso
O incidente acontece mais de três anos após o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão na cidade de Mariana, também no estado de Minas Gerais.[41] A barragem 1, ao romper-se, formou ondas gigantes de rejeitos, que avançaram em direção de carros, casas, árvores, animais e pessoas. Imagens captadas por câmeras instaladas no local mostraram o momento do rompimento e calcula-se que a velocidade da lama alcançou cerca de oitenta quilômetros por hora, sendo que à medida que os rejeitos se deslocavam, foram perdendo velocidade.[42]
As sirenes de segurança, que deveriam ter sido acionadas para alertar funcionários e moradores, acabou não tocando.[39] Entretanto, no caso da Mina de Feijão, devido à proximidade entre a barragem 1, o refeitório e a área administrativa, mesmo com sirenes dificilmente os funcionários da Vale iriam conseguir se salvar.[38] A sirene localizada na região do Parque da Cachoeira não foi afetada pela avalanche de lama e permaneceu intacta no local.[38]
No momento do rompimento, trabalhadores estavam na área administrativa da mina,[43] que foi atingida, assim como parte da comunidade da Vila Ferteco,[44] ambas a cerca de um quilômetro a jusante da barragem. Às 15h50min os rejeitos que vazaram da Mina de Feijão atingiram o rio Paraopeba.[45][46] Até as 16h49min ainda não havia confirmação de mortes segundo o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.[43] Às 17h07min, uma estimativa do corpo de bombeiros apontou quatro vítimas feridas e duzentas pessoas desaparecidas.[47][48]
Em 27 de janeiro, por volta das 5h30min da manhã, sirenes anunciaram o risco de rompimento da barragem 6, após ter sido detectado um aumento de seu nível. Cerca de 24 mil moradores de Brumadinho foram evacuados, incluindo os bairros Parque da Cachoeira, Pires, Centro e Novo Progresso. Por conta dos riscos, a busca por sobreviventes precisou ser interrompida.[49] Depois do rompimento da barragem, seis prefeituras de municípios da Bacia do Paraopeba emitiram alertas para que a população se mantivesse longe do leito do rio.[19]
Equipes dos estados de São Paulo, Goiás, Espírito Santo e Santa Catarina foram enviadas para auxiliar nas buscas em Brumadinho, com mais oitenta militares e quatro aeronaves, além de cães farejadores.[50] Mais de 150 empresas que desenvolvem produtos e serviços de alta tecnologia se apresentaram no dia 28 para ajudar as vítimas em Brumadinho. A convocação foi feita pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), órgão vinculado ao Ministério da Economia.[51] Cerca de 82 médicos cubanos que estavam no Brasil ofereceram ajuda às vítimas e se colocaram à disposição do governo.[52] Embora a maioria dos profissionais fossem clínicos-gerais, havia entre eles também especialistas em cardiologia, oftalmologia e ginecologia.[52] A comunidade médica cubana é conhecida por missões humanitárias, por exemplo, em regiões da África, durante a epidemia do ebola.[52][53]
Consequências
Impacto social
No dia da tragédia, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, afirmou em entrevista coletiva que os funcionários da empresa compunham a maioria dos atingidos pelo rompimento da barragem. Admitiu também que as perdas humanas seriam maiores que no rompimento da barragem de Bento Rodrigues, também controlada pela empresa, ocorrido em 2015, e localizada a menos de duzentos quilômetros de Brumadinho. Em nota divulgada logo após o rompimento, a empresa informou que os rejeitos atingiram a área administrativa da empresa no local, conhecido como Mina Córrego do Feijão. A lama também atingiu parte da comunidade da Vila Ferteco, nas proximidades. Ambos ficavam a dezoito quilômetros do centro de Brumadinho.[40] Além de funcionários da mineração, entre as vítimas fatais estavam pessoas da comunidade, principalmente moradores locais.[54][55]
Em um ramal de ferrovia, na região do Córrego do Feijão, três locomotivas e 132 vagões foram soterrados. Quatro ferroviários foram dados como desaparecidos. O rejeito também arrastou e jogou abaixo dois pilares de um pontilhão e cerca de cem metros de linha de trem.[31] A lama espessa também fechou estradas e foi parar dentro do rio Paraopeba, que abastece um terço da Região Metropolitana de Belo Horizonte.[56] A bacia hidrográfica do Paraopeba, possui um manancial de águas que complementam o abastecimento de Belo Horizonte, além de cerca de cinquenta cidades da região metropolitana e do entorno.[10]
A aldeia Pataxó Hã-hã-hãe foi uma das localidades que teve que ser evacuada após o rompimento, e 25 famílias da aldeia Naô Xohã foram levadas para a parte mais alta do município de São Joaquim de Bicas, área administrativa onde se localizava a comunidade. Brumadinho, São Joaquim de Bicas e Mário Campos formam o conjunto de cidades cortadas pelo rio Paraopeba.[57] De acordo com o cacique Háyó Pataxó Hã-hã-hãe, a água do rio Paraopeba começou a sofrer alterações por volta das 4h da manhã. “A água ontem estava clara, mas hoje está vermelha escura. Já tem um bocado de peixe morto, boiando, com a boca pra fora pedindo socorro."[19][58] A comunidade pataxó, composta por 65 índios, depende do rio Paraopeba para seu sustento. A Funai trouxe doações, principalmente água potável.[59]
Uma pousada localizada em Brumadinho, a Pousada Fazenda Nova Estância,[60] foi totalmente destruída ao ser atingida pela lama da barragem. Havia 35 pessoas no local, entre hóspedes e funcionários.[60][61][62]
O Instituto Inhotim, o maior museu a céu aberto no mundo, teve que ser evacuado por precaução.[63] Do mesmo modo foi comprometida parte do circuito turístico de Veredas do Paraopeba,[64] com vários conjuntos paisagísticos considerados patrimônios históricos, tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, e que incluem duas edificações construídas na segunda metade do século XVIII: a Fazenda dos Martins, em Brumadinho,[65] e a Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale.[66]
Impacto ambiental
Brumadinho é um dos municípios onde está localizada parte da unidade de conservação do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. A barragem rompida se localiza na zona de amortecimento do Parque criado em 1994 e que tem como objetivo proteger seis mananciais na região.[32]
O rompimento da barragem liberou cerca de doze milhões de metros cúbicos de rejeitos. Segundo Antônio Eduardo Giasante, professor de engenharia hídrica da Universidade Mackenzie, os metais que iriam sedimentar, seriam incorporados ao solo e aos fundos dos rios, impactando todo o ecossistema. Segundo previsões de ambientalistas do Observatório do Clima, a onda de rejeitos poderia chegar ao rio São Francisco, que além de Minas Gerais passa por outros quatro estados brasileiros, mas antes atingiria barragens das usinas hidrelétricas de Retiro Baixo, em Pompéu e de Três Marias em Três Marias. A Agência Nacional de Águas (ANA) informou que a lama poderia poluir pelo menos trezentos quilômetros de rios. O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, afirmou que a barragem estava inativa desde 2015 e que os rejeitos não teriam um grande deslocamento. Segundo ele, o risco ambiental seria bem menor que o de Mariana.[56] Esta avaliação de Schvartsman foi refutada pela superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), Maria Dalce Ricas, que afirmou que haveria um grande impacto ambiental, pelas características da região. Segundo sua avaliação, a vazão dos rejeitos pelo vale da Serra dos Dois Irmãos, atravessaria a estrada que liga Belo Horizonte a Brumadinho e seguiria em direção ao rio Paraopeba, onde existe muita Mata Atlântica e muita fauna, e certamente iria destruir uma parte da floresta, matando muitos animais silvestres até chegar à água. Afirmou ainda que não se saberia quais as consequências para o rio, já debilitado e em mau estado, mas que ainda fornecia água para parte da população e que, com a lama tóxica, não se poderia mais consumir a água, devendo ser interrompida e sua captação.[67]
Em nota, o Greenpeace Brasil afirmou que o rompimento da barragem de Brumadinho foi uma triste consequência do que não foi feito pelo Estado brasileiro e pelas mineradoras depois da tragédia da barragem de Fundão em Mariana, também controlada pela Vale. Segundo o Greenpeace, os minérios são um recurso finito que deveriam ser explorados de forma estratégica e com regime de licenciamento e fiscalização rígidos, com prioridade na reciclagem e reaproveitamento. Porém, isso não aconteceria por causa do "afrouxamento" das regras do licenciamento ambiental, com a pressão de grupos econômicos com forte lobby entre os parlamentares. Afirmou ainda que esse tipo de evento não pode ser considerado acidente, mas sim crime ambiental, que precisaria ser investigado, punido e reparado. A fundação SOS Mata Atlântica também lamentou o ocorrido, se solidarizando com os atingidos e com a população de Brumadinho. Afirmou que iria acompanhar de perto aquela que chamou de "mais uma tragédia anunciada".[67] Malu Ribeiro, coordenadora da fundação, afirmou que "no Brasil existem cerca de 230 represas como esta que representam risco socioambiental. É uma bomba-relógio".[68]
O impacto sobre os animais foi considerável. Um mês depois da tragédia haviam sido resgatados 348 animais, entre cães, gatos, bovinos, equinos, aves e répteis, que receberam cuidados de veterinários voluntários da ONG "Fraternidade – Federação Humanitária Internacional".[69] No entanto, muitos foram sacrificados no próprio local em que foram encontrados, por decisão da Defesa Civil de Minas Gerais, que afirmou não ter outra opção. A forma como foi feito o abate, com tiros de fuzil disparados por agentes da Polícia Federal, foi criticada por ambientalistas.[70][71]
A agência de risco ambiental Sustainalytics, uma das mais importantes do gênero no cenário internacional, rebaixou a Vale logo após o desastre, que passou da categoria 4 para a categoria 5, "para refletir a excepcionalidade dos derramamentos de rejeitos de 2015 e 2019 e o impacto severo que esses derramamentos tiveram nas comunidades locais e no meio ambiente". A categoria é a mais baixa e indica risco considerado severo.[72][73]
Rio São Francisco
No relatório "O retrato da qualidade da água nas bacias da Mata Atlântica", publicado em 22 de março de 2019 pela Fundação SOS Mata Atlântica, constatou que os rejeitos da barragem já haviam contaminado o rio São Francisco, do qual o rio Paraopeba é um afluente. As concentrações de ferro, manganês, cromo e cobre estava acima dos limites permitidos por lei.[74]
Entre os dias 8 e 14 de março, a ONG recolheu amostras de água em 12 pontos do rio e constatou que nove deles estavam em condição "ruim" e três em situação "regular". No trecho a partir do Reservatório de Retiro Baixo, entre os municípios de Felixlândia e Pompéu, em Minas Gerais, até o Reservatório de Três Marias, no Alto São Francisco, a turbidez (transparência da água) estava acima dos limites legais definidos pela Resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para a qualidade da água doce superficial. Em alguns locais, esse indicador chegou a ser verificado entre duas e seis vezes mais que o permitido pela resolução.[74]
Os dados da SOS Mata Atlântica mostram que o Reservatório de Retiro Baixo está segurando o maior volume dos rejeitos de minério que vem sendo carreados pelo Paraopeba. Mas, apesar das medidas de contenção que foram tomadas, os contaminantes mais finos estão ultrapassando o reservatório e descendo o rio. A pesquisadora explica que há possibilidade de limpeza do São Francisco, mas que isso vai depender da capacidade dos reservatórios de Três Marias e Retiro Baixo, que devem funcionar como barreira para conter os rejeitos mais pesados, e de um plano das autoridades para recuperar as nascentes da região. Os impactos no rio São Francisco a longo prazo, no entanto, ainda é desconhecido.[74]
Um ano depois, pesquisadores da Fundação SOS Mata Atlântica refizeram, entre os dias 8 e 17 de janeiro de 2020, a mesma expedição que tinha sido feita no rio Paraopeba após o rompimento da barragem. Os pesquisadores percorreram cerca de 2 mil quilômetros por estradas, passando por 21 cidades, para analisar a qualidade em 23 pontos dos 356 quilômetros do rio. Alguns pontos, que logo após a tragédia estavam ruins, em 2020 apareceram como péssimos. E poucos tiveram melhora. Conforme o relatório, em 11 pontos, a presença de rejeitos e contaminantes não permite a presença de vida aquática. Nos 23 analisados, nenhum apresentou qualidade da água "boa" ou "ótima". Novamente, a análise detectou a presença de ferro, manganês e cobre em níveis muito acima dos limites máximos fixados na legislação. Para o cobre, a concentração foi 44 vezes superior; para o manganês, 14 vezes superior. Para o ferro, que não deveria existir num rio de classe 2, como é o Paraopeba, a concentração encontrada chegou a 15 vezes a estabelecida pela legislação.[75]
Impacto no abastecimento público de água
O reservatório Rio Manso é a principal fonte de abastecimento de água potável na região. Durante o período de seca na Região Sudeste do Brasil em 2014–2017, os volumes dos reservatórios do Sistema Paraopeba diminuíram para níveis preocupantes.[76] Foi necessário expandir o Sistema Rio Manso. Em 2015, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) realizou obra de expansão desse sistema e implantou um ponto de captação direta no rio Paraopeba e uma adutora para conduzir a água até a estação de tratamento do Rio Manso, para evitar problemas de falta de água em períodos de estiagem. A obra de expansão foi inaugurada em dezembro de 2015.[77][78] Desde então, a captação direta do rio Paraopeba passou a operar em conjunto com a captação do reservatório rio Manso para produção de água tratada na mesma estação próxima ao reservatório. Em meses, os volumes dos reservatórios atingiram níveis satisfatórios para reduzir a probabilidade de escassez de água na região. Em épocas de estiagem, a concessionária prioriza a captação direta no rio, enquanto em épocas de chuvas intensas, prioriza a captação dos reservatórios, pois os volumes destes aumentam e, paralelamente, a qualidade da água do rio piora, tornando maior o custo com a energia necessária para o tratamento.[79] Como os rejeitos da barragem não atingiram o reservatório Rio Manso, nem a estação de tratamento de água, o fornecimento de água permaneceu inalterado no município.[80]
Poucas horas após o desastre, a COPASA comunicou que o escoamento de rejeitos não havia comprometido o abastecimento público de água nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH),[80][81] entretanto alguns municípios que dependem do rio Paraopeba tiveram que usar fontes alternativas para captação de água.[82][83] O município de Brumadinho é atendido pela COPASA, que opera o Sistema Rio Manso, parte integrante do Sistema Paraopeba, que por sua vez funciona em conjunto com todo o sistema integrado de abastecimento de água na RMBH.[84] Em outros municípios mineiros, como Caetanópolis e Paraopeba, a COPASA precisou suspender a captação direta no rio Paraopeba por precaução, antes da chegada dos rejeitos de minério na tomada d'água, que foi substituída por outras fontes.[82][83] No sexto dia após o desastre, o IGAM confirmou que os rejeitos de minério atingiram o município de Pará de Minas, o maior em população no percurso do rio Paraopeba.[85] Como o rio é a principal fonte de captação de água para abastecimento no município, a Agência Reguladora dos Serviços de Água e Esgoto de Pará de Minas (ARSAP) informou que o município conseguiria suprir o fornecimento de água inicialmente, pois existem três mananciais, Paraopebas, Paivas e Paciência. Entretanto, o fornecimento de água ficaria comprometido a longo prazo e seria preciso realizar estudos para garantir a qualidade da água da captação do Paraopeba.[86][87]
O Governo de Minas Gerais anunciou que análises realizadas com a água do rio Paraopeba depois da contaminação pelos rejeitos, revelaram que havia riscos à saúde humana e animal, estando imprópria para o consumo em pelo menos em vinte municípios.[88][89] Ambientalistas alertaram que a água passou a apresentar uma péssima qualidade, mesmo a mais de 120 km de distância de Brumadinho. A amostra coletada na cidade de Mário Campos, por exemplo, sequer foi possível ser analisada efetivamente, não se conseguindo avaliar indicadores importantes da água, sendo apenas observado a oxigenação (que chegou a zero) e a turbidez, que estava quase cem vezes maior que o recomendado pela legislação para água de rios e mananciais.[90]
Impacto econômico
A tragédia ocorreu em uma sexta-feira. Na segunda-feira subsequente (28 de janeiro) a Vale S.A. perdeu 71 bilhões de reais em valor de mercado. Foi a maior perda de valor de uma empresa na história do mercado de ações brasileiro em um único dia, superando a Petrobras, que em maio de 2018 perdeu mais de 47 bilhões de reais, também em um único dia. As perdas da Vale a rebaixaram da terceira para a quinta posição entre as empresas mais valiosas do país. No fechamento do dia 28 de janeiro, suas ações chegaram a cair 24%.[91][92]
Os bloqueios judiciais e as multas aplicadas à empresa impactaram todo o setor de investimento em mineração no Brasil. Diversos bancos e instituições financeiras estrangeiras cortaram suas recomendações para os ativos da empresa, incluindo Jefferies Group [en], HSBC, BMO e Macquarie, entre outros.[92] Ainda no dia 28, o efeito fez a agência de classificação de risco Fitch Ratings rebaixar as notas de crédito da Vale. A classificação de risco da empresa também foi alterada, ficando em observação para um possível rebaixamento subsequente, depois da queda vertiginosa do valor das ações da empresa, gerando expectativas negativas no mercado.[91][93] Todo o cronograma da organização empresarial da Vale foi adiado, inclusive a divulgação do balanço financeiro do 4º trimestre de 2018, e de outros relatórios de produção e vendas.[94] Em fevereiro de 2020 a mineradora divulgou os resultados financeiros de 2019, contabilizando uma queda de cerca de 20% no lucro líquido da companhia, como consequência principalmente dos desdobramentos do rompimento da barragem, com operações importantes paralisadas por ordem judicial.[95] Dias depois do rompimento, o presidente da Vale anunciou que a companhia iria desativar estruturas similares às da barragem de Brumadinho em dez de suas plantas no Brasil, o que poderia diminuir em quarenta milhões de toneladas a produção anual de minério de ferro da empresa, uma queda de aproximadamente 10%.[96][97]
A alta de preço dos metais beneficiou as mineradoras nos mercados internacionais. Em Londres, as ações das empresas do setor subiram, como as da BHP (+2,36%, às 10h25, horário de Brasília, de 30 de janeiro de 2019), da Rio Tinto (+2,45%) e da Anglo American (+2,46%).[96][94] Na China o minério de ferro subiu por seis sessões consecutivas, chegando atingir o maior nível em dezessete meses, até 31 de janeiro, e, continuando a subir nas próximas sessões, atingindo, pelo menos, o maior nível em quase dois anos.[98] O contrato mais ativo do minério de ferro na bolsa de Dalian fechou em alta de 1,8%, a 588,5 iuanes por tonelada. No aço, o contrato mais ativo do vergalhão na Bolsa de Valores de Xangai fechou em queda de 0,4%, a 3 707 iuanes por tonelada.[99] A agência de risco Moody's emitiu um relatório na sexta-feira (31), avaliando que o desastre teria um efeito profundo na Vale e, embora tivesse um dano ambiental menor se comparado com o desastre de Mariana, considerava que os profundos impactos sociais causados iriam ter efeitos econômicos negativos.[100] Escritórios nos Estados Unidos entraram com ações coletivas contra a mineradora por danos aos seus acionistas.[101]
Em relação aos impactos econômicos no cenário municipal, muitas áreas agricultáveis foram afetadas em Brumadinho, sendo totalmente destruídas e causando um prejuízo incalculável. A pecuária local também sofreu perdas, principalmente de animais como bovinos e aves. O comércio foi impactado, sentindo os prejuízos dos estragos, e algumas lojas e estabelecimentos fecharam as portas por alguns dias.[102] No primeiro dia útil após a tragédia, o centro comercial de Brumadinho esteve pouco movimentado, com poucas lojas abertas. Algumas, além das portas fechadas, colocaram luto na fachada. De acordo com os próprios comerciantes, todos eles perderam pelo menos algum conhecido próximo.[103] Só tiveram atividade alguns pontos do comércio considerados essenciais como algumas padarias, supermercados e farmácias, que abriram para suprir principalmente as famílias dos atingidos.[104] Segundo o depoimento de um comerciário, os clientes haviam "sumido" e o receio era que o principal núcleo urbano do município se transformasse, tornando-se uma "cidade fantasma", já que o comércio era movimentado principalmente pelos empregos gerados pela mineradora, e se as atividades continuassem paralisadas, havia o risco de muitos moradores deixarem Brumadinho.[104]
O setor hoteleiro, movimentado basicamente pelo turismo local, também sentiu os reflexos logo de imediato. Tanto hotéis próximos ao centro, quanto os mais afastados sentiram o impacto da tragédia. Alguns estabelecimentos mesmo a quilômetros de distância do local do desastre, tiveram todas as reservas canceladas, com os turistas demonstrando medo e desconfiança, e desistindo de viagens já agendadas. Os proprietários, funcionários e prestadores de serviço de pousadas de toda a região temiam a queda brusca na taxa de ocupação.[104][105] Apesar de todo o impacto, os proprietários do setor de serviços se solidarizaram com a situação e acabaram ajudando de diferentes maneiras as vítimas que sobreviveram, como no caso de uma dona de pousada que reduziu em até 40 por cento do valor das diárias para receber desabrigados e familiares das vítimas, e uma hospedaria que recebeu policiais e bombeiros que vieram para o município.[104]
Mobilizações
Poder executivo
Governo federal
O presidente Jair Bolsonaro decidiu mobilizar o governo federal para atuar no caso em conjunto com o governo de Minas Gerais e a prefeitura de Brumadinho.[106]
O Ministério da Saúde colocou à disposição a Força Nacional do SUS. Os ministérios de Minas e Energia, do Desenvolvimento Regional, da Defesa e do Meio Ambiente também foram acionados para integrar o aparato mobilizado pelo estado de Minas Gerais, com ações comandadas pelo Corpo de Bombeiros e Defesa Civil estadual.[107] O Ministério da Cidadania providenciou a liberação e a antecipação de benefícios sociais como o pagamento dos benefícios do programa Bolsa Família às 1 506 famílias cadastradas em Brumadinho e saques do FGTS para os moradores residentes nas áreas atingidas.[108] A ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirmou em sua rede social que o momento era de dar total assistência aos atingidos e que havia colocado seu Ministério à disposição das autoridades federais estaduais e municipais.[109] O advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça anunciou também por rede social que uma equipe estaria analisando o caso para eventuais providências.[109] O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno afirmou que o governo estaria cogitando realizar vistorias em todas as barragens do país que estivessem em situação risco.[5]
Em 26 de janeiro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles declarou que o Ibama havia aplicado à Vale uma multa de 250 milhões de reais pelo impacto ambiental causado, como já havia feito depois do rompimento da barragem em Mariana em 2015, quando aplicou à mineradora Samarco uma multa de 345 milhões de reais.[110]
O presidente em exercício Hamilton Mourão declarou em entrevista a jornalistas no dia 28, que haveria uma apuração para identificar e punir os responsáveis pela tragédia, que responderiam criminalmente, com aplicação de multas à empresa e denúncias contra os responsáveis pelo rompimento da barragem. Horas antes das declarações de Mourão, havia sido formado um Gabinete de Crise, em uma reunião no Palácio do Planalto. O Gabinete, composto pelo ministros da Defesa, Secretaria-Geral da República, Minas e Energia, Casa Civil, Secretaria de Governo e Desenvolvimento Regional, Cidadania, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional e da Mulher e Direitos Humanos, além do Gabinete de Segurança Institucional e Advocacia-Geral da União, atendeu a um decreto do presidente Bolsonaro, publicado no Diário Oficial no mesmo dia da tragédia, criando o Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastre, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar as atividades que seriam desenvolvidas em decorrência da tragédia, e o Comitê de Gestão e Avaliação de Respostas, para coordenar as ações de socorro, assistência, restabelecimento de serviços essenciais, recuperação de ecossistemas e reconstrução.[111][112]
Também no mesmo dia da tragédia, a Polícia Federal enviou uma equipe de sete peritos criminais para trabalhar na identificação das vítimas. Também seriam enviadas outras equipes de peritos para fazer uma avaliação dos danos ambientais e investigar as causas do rompimento da barragem.[113] Ao chegarem, sobrevoando o local no dia 25, os peritos utilizaram um software de georreferenciamento desenvolvido por eles, para estimar os danos decorrentes do rompimento e fornecer imagens de alta resolução para auxiliar nas operações de resgate.[114]
Governo estadual
Logo depois do rompimento da barragem, o governo do estado de Minas Gerais criou uma força-tarefa para tomar as medidas de emergência. O Batalhão de Emergências Ambientais do Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil foram deslocados para o local, com sobrevoo de helicópteros para localizar e resgatar sobreviventes e prestar os primeiros atendimentos. Também foi formado um Gabinete Estratégico de Crise para coordenar as ações.[115][116] Foram deslocados para a região representantes da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e da Secretaria de Impacto Social.[117] O governador Romeu Zema estava em viagem pelo interior do estado e assim que soube do ocorrido cancelou os compromissos e retornou a Belo Horizonte, decretando luto oficial de três dias.[118][119] No dia seguinte à tragédia, Zema decretou situação de calamidade pública, autorizando assim a mobilização de todos os órgãos estaduais para atuarem na região, coordenados pela Defesa Civil, que reconheceu oficialmente a situação.[120][121] O governador a princípio recusou a ajuda do governo federal, que ofereceu o apoio da 4ª Brigada de Infantaria Leve, sediada em Juiz de Fora, para apoiar as operações de resgate. Zema considerou que, naquele momento, o Corpo de Bombeiros, com homens especializados naquele tipo de resgate, tinha efetivo e aparato suficiente. Segundo ele, a 4ª Brigada de Infantaria Leve seria especializada em áreas de montanhas, mas se houvesse necessidade, solicitaria ajuda do Exército.[122]
O Corpo de Bombeiros designou o tenente Pedro Aihara para ser o porta-voz da corporação nas operações de resgate, transmitindo as informações oficiais para a imprensa e para a comunidade, em comunicados dados em média três vezes por dia. Graduado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais,[123][124] e também em ciências militares, com ênfase em gestão e prevenção de catástrofes, pela sua corporação, tem também especialização em gestão de projetos pela Universidade de São Paulo e em prevenção de desastres pela Universidade de Yamaguchi, no Japão.[125] Elogiado pela imprensa pelo seu modo objetivo e claro de se comunicar, e até mesmo pelo autor de best-sellers sobre a "arte de falar em público", Reinaldo Polito,[126] Aihara, que já havia participado nas operações de resgate no rompimento de barragem em Mariana e no incêndio em uma creche em Janaúba,[127] declarou que a maior dificuldade foi lidar com a angústia dos familiares dos desaparecidos.[128][129]
(...) para mim, não é só um número. Quando a gente fala de vidas humanas, se a gente tem uma informação errada, isso daí pode impactar negativamente na vida de uma família de uma maneira muito intensa. Então, em primeiro lugar, eu tenho noção dessa responsabilidade. Em segundo lugar, é uma operação muito difícil, porque são muitas agências envolvidas. São muitos dados que chegam, a gente tem que verificar esses dados, são muitas demandas. As pessoas querem informação.
— Pedro Aihara, durante depoimento sobre a tragédia de Brumadinho, em 30 de janeiro de 2019.[127]
Governo municipal
O prefeito de Brumadinho, Avimar Barcelos afirmou que o município iria aplicar uma multa de 100 milhões de reais à Vale e garantiu que trabalharia para que a mineradora se responsabilizasse pelas despesas decorrentes do apoio às famílias das vítimas e aos desabrigados.[130] Segundo o prefeito, um terço da arrecadação do município seria proveniente dos royalties pela exploração dos recursos minerais e, se a cidade deixasse de recebê-los, não teria estrutura para suprir as demandas essenciais. Afirmou ainda que a mineradora havia prometido que não iria cortar os royalties.[131]
Foi decretado luto no município e, com exceção do serviço de saúde, todos os demais serviços públicos em Brumadinho haviam sido interrompidos.[104] Os 765 servidores da área de saúde municipal e outros 350 disponibilizados por municípios vizinhos ficaram responsáveis por manter os serviços na Unidade de Pronto Atendimento, na policlínica e no hospital de Brumadinho.[104] Ante o grande número de corpos a serem sepultados, os garis e os coveiros da cidade foram convocados para abrir covas no cemitério municipal.[132][103] Outros sete cemitérios, localizados em comunidades rurais, poderiam também ser utilizados, além dos três cemitérios na sede da cidade.[133]
O vice-prefeito Leônidas Maciel declarou que a prefeitura estaria disponibilizando todos os serviços necessários, escolas e toda a infraestrutura local para dar suporte tanto às vítimas, como para acolher as equipes de resgate que atuavam em Brumadinho.[134]
Congresso Nacional
Dias depois do rompimento da barragem, a Câmara dos Deputados criou uma comissão externa para acompanhar as investigações e os desdobramentos do fato ocorrido. O grupo, composto por quinze integrantes, foi coordenado pelo deputado Zé Silva, do partido SOLIDARIDADE. Deputados e senadores também avaliaram a possibilidade da instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar responsabilidades pela tragédia, possibilitando assim que as duas casas legislativas trabalhassem em conjunto em uma única investigação, o que não ocorreria em uma CPI normal. Mesmo com essa possibilidade, os presidentes das duas casas decidiram aprovar os dois pedidos de CPI separadamente.[135][136]
O senador Randolfe Rodrigues, do partido REDE, declarou que o Congresso também poderia ser responsabilizado, já que além de não ter aprovado regulamentações mais rigorosas para punir casos semelhantes, facilitou a possibilidade de voltarem a ocorrer.[137]
O Congresso teve a possibilidade de tomar medidas que inibissem que situações como a de Brumadinho voltassem a ocorrer, mas ocorreu uma situação exatamente avessa a isso. Foram criados mecanismos que facilitaram que tragédias como essas voltassem a ocorrer.
— Senador Randolfe Rodrigues
No dia 4 de fevereiro, um pedido para a abertura de uma CPI foi protocolado na Câmara pela deputada Joice Hasselmann, do PSL. Para a instalação de uma CPI na Câmara é necessário um mínimo de 171 de assinaturas, e segundo Hasselmann, o seu pedido possuía mais de duzentas. No texto do documento constava que "a investigação será delimitada a todas as circunstâncias técnicas e de gestão que contribuíram para a tragédia, apurar as responsabilidades e avaliar formas de minorar os riscos da ocorrência de novos acidentes em barragens".[138] A possibilidade de criar uma CPI para investigar o caso também foi avaliada no Senado, que de acordo com o senador Otto Alencar (PSD), autor do pedido, existiu um acordo para se conseguir o mínimo de assinaturas necessárias, que era de 27, sendo que no dia 5 de fevereiro já se contavam 31 assinaturas.[139][140] O pedido para se criar a CPI foi protocolado no Senado em 7 de fevereiro, tendo o documento sido entregue à secretária-geral da mesa diretora por Otto Allencar e Carlos Viana (PSD). O documento foi entregue com 42 assinaturas.[141]
No dia seguinte, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, determinou a criação da CPI para investigar as causas do rompimento da barragem, com o decreto publicado no dia 12 de fevereiro. No Senado, o documento que pedia a criação de uma CPI foi lido em plenário pelo presidente Davi Alcolumbre no mesmo dia 12 de fevereiro. Nas duas instituições, a leitura de um pedido de criação de CPI era a última etapa antes da sua instalação. O prazo de funcionamento geralmente seria de 180 dias e o limite de despesas de R$ 110 mil. A CPI do Senado era composta por onze senadores titulares e sete suplentes. O documento tinha 44 assinaturas.[136][142] Já na CPI da Câmara, a comissão era composta por 43 deputados titulares e um igual número de suplentes.[143] A CPI da Câmara foi oficialmente criada em 14 de março e,[144] com um prazo de funcionamento de 120 dias. O documento que pedia a CPI possuía 194 assinaturas.[135][145]
Foi discordância. O Senado e a Câmara entenderam que cada um tem que fazer a sua CPI
— Davi Alcolumbre, presidente do Senado, 12 de fevereiro de 2019.[142]
Deputados e senadores protocolaram em 13 de março, um pedido de criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, depois de conseguirem 240 assinaturas, sendo 198 o mínimo exigido. A instauração dependeria da decisão do presidente do Congresso Davi Alcolumbre. Havia divergências entre a criação de CPIs específicas em cada casa legislativa ou se optaria por uma CPMI, incluindo inclui membros da Câmara e do Senado. A criação da CPMI foi uma demanda também da sociedade civil, como o Movimento dos Atingidos por Barragens, que considerou um instrumento mais eficaz para responsabilizar a Vale pela tragédia e obrigar a empresa a tomar medidas de reparação.[146]
Aqui na Câmara, já tinha o pedido, e eu não posso, com fato determinado, não tomar uma decisão. Se o presidente Davi Alcolumbre quiser articular uma CPI mista, acredito que a Câmara e os parlamentares vão aceitar do mesmo modo
— Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, dia 13 de fevereiro de 2019.[135]
No Senado, a CPI teve a sua primeira reunião no mesmo dia 13 de março, quando foram definidos o presidente, o vice-presidente e o relator da comissão, respectivamente Rose de Freitas, do partido PODE, Randolfe Rodrigues, do REDE e Carlos Viana, do PSD. A CPI aprovou a convocação para depoimentos, do ex-presidente da Vale, Fábio Schwartzman e do presidente em exercício, Eduardo Bartolomeo, que era diretor-executivo da mineradora quando ocorreu o rompimento da barragem, e de outros envolvidos que já haviam prestado depoimento anteriormente, durante a apuração de responsabilidades. A CPI também decidiu que faria diligências em cinco barragens de rejeitos de mineração, consideradas em estado crítico.[147] O relatório final da CPI de Brumadinho pediu o indiciamento da Vale e da TÜV Süd por "Destruição culposa de flora de preservação permanente e de Mata Atlântica" e por "Poluição culposa que provoca a mortandade de fauna e flora".[148] Além disso, também pediu o indiciamento de catorze pessoas envolvidas no desastre, entre elas Fábio Schvartsman, pelos mesmos crimes que foram atribuídos às empresas, mais homicídio com dolo eventual e lesão corporal culposa.[148] O relatório foi aprovado no dia 2 de julho de 2019.[148]
Na Câmara, a primeira reunião foi em 25 de abril, quando foram definidos o presidente, o vice-presidente e o relator, sendo eles respectivamente, Júlio Delgado do PSB, Zé Silva, do SOLIDARIEDADE e Rogério Correia, do PT.[143]
O relatório final da CPI, assim como no Senado, pediu o indiciamento da Vale e da Tüv Süd; porém, a quantidade de delitos foi maior que a expectativa inicial: "provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existente em rios, lagos, açudes, lagoas; destruir floresta considerada de preservação permanente; destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do bioma Mata Atlântica; causar dano direto ou indireto às unidades de conservação; apresentar laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão, de que decorreu dano significativo ao meio ambiente".[149] O documento também pediu o indiciamento de 22 pessoas, incluindo Fábio Schvartsman, por homicídio e lesão corporal dolosos e por crimes ambientais.[149][150] O relatório foi aprovado por unanimidade pela CPI da Câmara, na reunião do dia 5 de novembro.[151][150]
Comunidade
Logo depois da tragédia, os moradores de Brumadinho começaram a se organizar para reivindicar seus direitos e cobrar responsabilidade da mineradora. Em assembleia realizada no dia 29 de janeiro, a comunidade se reuniu para sistematizar as reivindicações que seriam direcionadas à Vale. Junto a comunidade, fizeram-se presentes representantes da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais e da Assistência Social, assim como do Ministério Público. A comunidade se organizou e elegeu uma comissão com cinco representantes locais para acompanhar a apuração dos fatos.[152]
Em 14 dias após o colapso, já havia sido realizadas três reuniões entre moradores e membros da empresa, sendo que em nenhuma delas houve consenso sobre as reivindicações.[153] Em um dos encontros, foi registrado desde gritos e lágrimas até trocas de ofensas e pedidos de reforço policial.[153] Os representantes da Vale se recusaram a aceitar os pedidos da comunidade afetada pela lama da barragem em Brumadinho. No dia 5 de fevereiro, mais de 450 pessoas[154] que perderam parentes, casas, empregos, documentos e objetos pessoais acompanharam a tensa reunião por quase quatro horas sob uma tenda no bairro do Parque da Cachoeira. Eles esperavam que a mineradora trouxesse respostas para uma série de demandas de urgência elaboradas por membros da comunidade e representantes de movimentos sociais. Entre as reivindicações dos atingidos está o pedido em que a mineradora assuma as dívidas de agricultores com financiamentos para lavouras que foram destruídas e pagamento de um auxílio mensal até que as indenizações sejam determinadas pela Justiça.[153] O promotor estadual André Stern, presente nas negociação com a mineradora, discutiu com um advogado da Vale que havia chamado o rompimento da barragem de acidente. Stern afirmou que "o Ministério Público não aceita que foi um acidente. Aqui, você não vai chamar de acidente. Foi um crime. Chame como quiser, mas não de acidente".[154]
A comunidade também denunciou ao Ministério Público que o atestado de óbito de muitas das vítimas apresentava, como local da morte, a inscrição "evento em Brumadinho" e omitia a tragédia envolvendo o colapso da barragem. Os representantes dos moradores esperam que o Instituto Médico Legal (IML) altere essa informação, já que as vítimas estavam em casa ou trabalhando.[155]
Internacionais
O governo de Israel enviou uma missão para ajudar na localização dos desaparecidos. A missão trouxe equipamentos que permitem encontrar, utilizando imagens, corpos em até quatro metros de profundidade.[156][157] A delegação, composta por 136 integrantes (soldados, oficiais, engenheiros, médicos e especialistas da unidade submarina da Marinha israelense) trouxe dezesseis toneladas de equipamentos.[158] O embaixador de Israel para o Brasil, Yossi Shelley, também integrou a missão, tendo sido a primeira atuação do grupo desde sua certificação, dois meses antes, pelo Grupo Consultor Internacional de Busca e Resgate [en].[159] O grupo chegou em Brumadinho no dia 28 de janeiro e permaneceu até o dia 31, quando os trabalhos foram finalizados, deixando mapas com as estimativas de onde poderiam estar os corpos de parte dos desaparecidos.[160]
Reações
A tragédia ficou entre os assuntos mais comentados no Twitter e em outras redes sociais,[102] mobilizando uma onda de críticas das mais diversas personalidades brasileiras e internacionais,[161] de diferentes setores da sociedade, como governadores, parlamentares e demais políticos, pesquisadores, intelectuais, religiosos,[162] ativistas, artistas e jornalistas.[163][102][109]
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,[102] a ex-senadora e ambientalista Marina Silva,[109] a Rainha Elizabeth II,[164] o padre Fábio de Melo,[165] a modelo Gisele Bündchen, o ator Bruno Gagliasso, a cantora Maria Gadú, a apresentadora e jornalista Fátima Bernardes e o futebolista Neymar comentaram sobre a tragédia.[102]
O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, autorizou o envio de setecentos profissionais da saúde para Brumadinho e classificou o desastre como um "genocídio". Declarou em 28 de janeiro, que a impunidade seria uma das causas que fizeram a tragédia se repetir no estado, e que a corrupção estaria instalada no negócio da mineração.[166]
Isso é um genocídio. A impunidade é causa exclusiva dessa tragédia se repetir em Minas Gerais. Se o presidente da Vale tivesse sido preso pelo desastre de Mariana, esse desastre (Brumadinho) certamente não aconteceria
— Alexandre Kalil.[166]
A calamidade gerada novamente em Minas Gerais provocou manifestações e protestos contra a Vale e a favor das vitimas e do meio ambiente, ocorrendo em cidades mineiras e em outras partes do Brasil, como em frente à sede da empresa, na cidade do Rio de Janeiro.[167] A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu o envio de seus representantes a Brumadinho para acompanhar a tragédia e as investigações, e cobrou regras mais duras para a mineração e fiscalização mais rígida.[168] A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo também lamentaram o ocorrido e se colocaram à disposição para apoiar as ações.[169][170]
No dia 25 de janeiro, quando aconteceu o desastre, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Almg) emitiu uma nota oficial "lamentando profundamente o rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Vale em Brumadinho" e que presidência formaria uma comissão de deputados para acompanhar os desdobramentos do desastre.[171] No dia da posse dos deputados estaduais eleitos nas eleições de 2018 houve um minuto de silêncio dedicado às vitimas.[172]
Poder judiciário e Ministério Público
A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por meio de nota, afirmou que "é mais uma tragédia humana e ambiental que atinge o estado e que reforça a preocupação com problemas crônicos e graves em nosso país," e que "ofereceu apoio integral da Administração para a elucidação da tragédia e destacou a importância da atuação conjunta entre os MPs estadual e federal no caso."[109] O Ministério Público de Minas Gerais protocolou uma ação cautelar contra a mineradora na comarca de Brumadinho, solicitando o bloqueio de cinco bilhões de reais para as despesas ambientais decorrentes do rompimento da barragem. Em outro pedido, a Justiça de Minas Gerais determinou o bloqueio de mais um bilhão de reais das contas da Vale. Segundo decisão liminar do juiz Renan Chaves Carreira Machado, o bloqueio atende a um pedido do governo do estado para "imediato e efetivo amparo às vítimas e redução das consequências" do desastre. O valor bloqueado deveria ser transferido para uma conta judicial.[173]
O desembargador Antônio Souza Prudente, da Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, em Minas Gerais, classificou a tragédia em Brumadinho como "o resultado de um conjunto de ações negligentes por parte do setor privado e do Poder Público, e que o Brasil peca no monitoramento das estruturas que podem causar grande impacto no meio ambiente e a flexibilização de licenciamentos pode gerar ainda mais desastres". Alertou que os empresários da mineração e agentes públicos omissos, bem como as empresas envolvidas nesses empreendimentos têm que respeitar as leis, ou terem o licenciamento caçado.[174]
O Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República (MP) anunciaram no dia 31 de janeiro, a criação de um observatório para monitorar a situação em Brumadinho e de outras potenciais grandes tragédias. O grupo seria composto por integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).[175][176]
Organizações religiosas
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)[177] enviou seus representantes para acompanhar de perto a calamidade, realizando campanhas solidárias para ajudar as vítimas, e membros da diocese prepararam diversas missas.[178] O arcebispo de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, durante a missa de sétimo dia realizada na Igreja Matriz de São Sebastião em Brumadinho, condenou a concentração dos recursos do país nas mãos de poucos e denominou o rompimento da barragem de "tragédia criminosa".[179] O clima de vigília e homenagens tomou conta da cidade, com a realização de atos ecumênicos.[180][181]
Organizações evangélicas também reagiram, como a Convenção Batista Brasileira, lamentando a tragédia, cobrando autoridades e responsáveis, e enviando missionários para ajuda e apoio.[182]
Internacionais
A tragédia ganhou destaque na imprensa internacional e foi noticiada por sites de jornais, como os estadunidenses The New York Times e Washington Post, os argentinos Clarín e La Nación, pelo britânico The Guardian, o francês Le Monde, pela rede de TV estadunidense CNN e a mexicana Televisa.[183]
A Organização das Nações Unidas (ONU) lamentou a perda imensurável de vidas e danos significativos ao meio ambiente e e aos núcleos habitacionais e que está disposta a ajudar o Brasil no que for preciso. O secretário-geral, António Guterres, expressou estar profundamente triste pelo ocorrido.[184][185] Governo de vários países também se solidarizaram e enviaram condolências oficiais ao Brasil, como Alemanha,[186][187] Argentina,[188] Bolívia,[189] Chile,[190][189] Colômbia,[189] Guatemala,[191] Itália,[192] Panamá,[191] Paraguai,[193] Peru,[191] Portugal,[194] Reino Unido,[164] Rússia,[195] Turquia,[68] Uruguai,[196] Venezuela,[197] entre outros. A União Europeia (UE) classificou o ocorrido como uma “tragédia humana e ambiental”[198] e colocou à disposição assistência técnica e humanitária a qualquer momento se solicitado pelo governo brasileiro. Expressaram ainda sua maior consternação e solidariedade, informando também que os 28 países-membros hastearam suas bandeiras a meio mastro em respeito ao luto.[199]
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu prestou solidariedade ao governo brasileiro e enviou uma missão para ajudar na localização dos desaparecidos.[200]
O sumo pontífice Papa Francisco ofereceu orações e manifestou solidariedade pela tragédia e lembrou de todos aqueles que foram mortos: "...Ao mesmo tempo, expresso meu amor e proximidade espiritual para seus parentes e toda a população do estado de Minas Gerais."[201][202]
A Rainha Elizabeth II do Reino Unido e Governadora Suprema da Igreja da Inglaterra, no dia 31 de janeiro, juntamente com seu marido, o Duque de Edimburgo, enviaram uma mensagem de pesar direcionada ao presidente Jair Bolsonaro. Na mensagem, a rainha declarou que ela e seu marido ficaram profundamente tristes ao saberem do rompimento da barragem em Brumadinho e enviaram suas condolências para os familiares das vitimas, lamentando a devastação ocorrida. Sua mensagem termina com a seguinte frase: "Nossos pensamentos e nossas preces estão com todos aqueles que perderam entes queridos e com aqueles cujos lares foram afetados".[203][204][205] A Igreja Anglicana, juntamente com gestores parceiros, manifestaram que querem mais segurança em barragens e exploração de minérios. Os gestores de fundos com mais de um trilhão de libras em ativos pressionaram por um monitoramento independente. A Igreja da Inglaterra (Church of England) anunciou que vendeu suas ações de participação na Vale, em resultado do último desastre de responsabilidade da companhia brasileira, além de relembrar as implementações recomendadas pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais (International Council on Mining and Metals) e afirmar que a Igreja é unida em seus fundamentos pela BMO Global Asset Management, LGPS Central Limited (Local Government Pension Scheme), Robeco (da ORIX Corporation) e outros.[206][207]
Investigações, ações judiciais e acordos
Logo depois do colapso da barragem, especialistas se manifestaram sobre as consequências jurídicas, e possíveis punições dos responsáveis. A Vale poderia enfrentar três processos em diferentes âmbitos: um processo civil, movido pelo Ministério Público para apuração de perdas e danos causados e ressarcimento dos afetados, um processo por crime ambiental, por descumprir a legislação vigente, cujas penas poderiam incluir o pagamento de multas e indenizações, como aconteceu quando do rompimento da barragem em Mariana. Seria cabível ainda um terceiro processo, movido contra funcionários e diretores das empresas envolvidas, que estariam sujeitos a penas na esfera penal, depois de investigações para apurar as responsabilidades, que exigiriam um trabalho ainda mais complexo por parte de peritos, autoridades policiais e Ministério Público. Seria necessário provar que agiram com culpa tantos os diretores da Vale S.A., como também funcionários de outras prestadoras de serviços. O caráter culposo, poderia envolver princípios de negligência, imperícia, omissão e irregularidades, que teriam levado ao desmoronamento da barragem e gerado prejuízos de diferentes concepções e proporções, com perdas de vidas humanas.[208]
No dia seguinte à tragédia, a Secretaria Estadual de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multaram a Vale em 99 milhões de reais e 250 milhões de reais, respectivamente.[209] No dia 29 de janeiro, cinco pessoas foram presas, suspeitas de responsabilidade no colapso da barragem: uma em Brumadinho, duas também em Minas Gerais, e outras duas na cidade de São Paulo. Foram presos três funcionários da Vale S.A., sendo o geólogo Cesar Augusto Paulino Grandchamp, o gerente executivo do Complexo Paraopeba, Rodrigo Artur Gomes de Melo, e o gerente de Meio Ambiente Ricardo de Oliveira.[210] Também foram presos dois engenheiros da empresa alemã TÜV Süd,[211] os engenheiros André Yassuda e Makoto Manba, que prestavam serviço para a mineradora. A Polícia Federal também participou da operação e cumpriu dois mandados de busca e apreensão em outras empresas que prestaram serviços para a Vale.[210]
Dez dias depois do colapso, no dia 4 de fevereiro, três deputados estaduais protocolaram pedidos de abertura de CPI para investigar os fatores que levaram ao rompimento da barragem. Para que os pedidos pudessem ser protocolados, o número mínimo de assinaturas precisaria ser de 26 de um total de 77. A solicitação que foi protocolada primeiro, a do deputado Sargento Rodrigues (PTB), segundo ele, possuía 65.[212] O pedido foi analisado e aprovado pela mesa diretora da Assembleia, a CPI.[212][213] A CPI foi oficialmente criada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 13 de março de 2019 e, a partir desta data, teve um prazo de 120 dias para ser concluída.[213][214]
A primeira reunião aconteceu no dia 19 de março e nela ocorreu a definição do presidente, do vice e do relator da comissão; sendo eles Gustavo Valadares (PSDB), Sargento Rodrigues (PTB) e André Quintão (PT) respectivamente.[215] O relatório final da CPI apontou a responsabilidade civil da Vale por diversos níveis de danos morais, materiais, trabalhistas e ambientais, e considerou que a empresa praticou poluição qualificada e danos à flora e à fauna terrestre e aquática.[216]
O colapso anterior da barragem de propriedade da Vale e da BHP em Mariana, que matou 19 pessoas em 2015, não foi suficiente para alterar o comportamento da Vale no que se refere à prevenção de futuros desmoronamentos de barragens. Evidentemente os custos de um desmoronamento foram percebidos nos escritórios executivos e salas de reuniões como menores do que os custos de investigação e prevenção adequadas de um desastre.
— Conclusão do relatório final da CPI da ALMG.[216]
O documento pediu o indiciamento de treze pessoas pelo homicídio de 270 pessoas, lesão corporal e crime de dano, com dolo eventual. O relatório foi aprovado por unanimidade no dia 12 de setembro de 2019.[4][217]
Em nota publicada cinco dias depois do ocorrido, a Vale anunciou que a ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, seria a coordenadora de um Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração (CIAEA), criado pela empresa com o objetivo de "apoiar o Conselho de Administração na apuração de causas e eventuais responsabilidades no contexto do rompimento da barragem".[218] A Vale também contratou o escritório independente de advocacia Skadden [en], com sede em Nova Iorque, para prestar assessoria durante a apuração das causas do rompimento.[219]
Pouco mais de um ano depois, em 20 de fevereiro de 2020, o CIAEA divulgou seu relatório, concluindo que a Vale, desde 2003, tinha informações que indicavam fragilidades na barragem, e que tornaram-se "especialmente relevantes" depois do desastre anterior em Mariana. O comitê concluiu também que as ações que a empresa tomou para remediar as fragilidades e melhorar a segurança não foram bem sucedidas e mesmo se tivessem sido implementadas não seriam eficientes a curto prazo para elevar a estabilidade da barragem.[220]
Era conhecido o fato de que, em caso de rompimento, a capacidade de resposta da Vale era limitada e os impactos seriam significativos e com tempo de reação mínimo[...] Em que pese o conhecimento das fragilidades da barragem, não foram identificadas evidências visando à remoção das instalações administrativas a jusante da B1.
— Relatório do Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração
Ainda segundo o relatório, as auditorias externas não atuavam de forma "verdadeiramente independente", já que seus contratos eram administrados pela própria área da Diretoria de Ferrosos, a quem cabia o cumprimento das exigências regulatórias, o que se traduzia em potencial conflito de interesses e comprometimento da imparcialidade do resultado das auditorias. A Vale declarou que o relatório continha recomendações de natureza técnica e de governança, cuja maior parte delas se referia a temas que já vinham sendo tratados pela companhia em várias ações para aprimoramento de seus controles internos.[220]
Segundo as investigações realizadas pela polícia civil de Minas Gerais, uma detonação feita na mina no dia da tragédia, a cerca de 1 300 metros da barragem, poderia ter contribuído para o colapso. Uma placa no local indicava que a detonação ocorreria entre 11 e 12 horas do dia 25 de janeiro de 2019, e o colapso ocorreu às 12h28. A TÜV Süd, empresa que deu o laudo atestando a segurança, recomendou que a Vale adotasse medidas para diminuir o risco do rompimento da estrutura, como evitar a indução de vibrações, proibir detonações nas proximidades, evitar o tráfego de equipamentos pesados na barragem e impedir a elevação do nível de água no rejeito.[221]
A Vale S.A. e o Ministério Público do Trabalho assinaram um acordo para reparar danos morais e materiais no dia 15 de julho de 2019. O acordo previa que o cônjuge, filho, mãe e pai de funcionários da Vale S.A. que morreram na tragédia iriam receber individualmente 700 mil reais, sendo 500 mil para reparar o dano moral e 200 mil a título de seguro por acidente de trabalho. Irmãos de trabalhadores falecidos iriam receber 150 mil reais devido ao dano moral. Como indenização por dano material, as famílias que eram dependentes dos trabalhadores mortos iriam receber uma pensão mensal até a idade de 75 anos, por ser a expectativa de vida do brasileiro, segundo o IBGE.[222]
No dia 21 de janeiro de 2020, quase um ano depois da tragédia, o Ministério Público de Minas Gerais, com base nos resultados do inquérito da Polícia Civil, apresentou denúncia contra o presidente da Vale à época do rompimento, Fabio Schvartsman, outros dez funcionários da mineradora e cinco da empresa de consultoria alemã TÜV Süd, que passaram a responder por homicídio duplamente qualificado por cada uma das 270 mortes causadas pelo rompimento da barragem B1 em Brumadinho. A denúncia menciona que, segundo se apurou na investigação, "ficou demonstrada a existência de uma 'promíscua relação' entre as duas corporações [Vale e TÜV Süd] no sentido de esconder do Poder Público, sociedade, acionistas e investidores a inaceitável situação de segurança de várias barragens mantidas pela Vale". Menciona ainda que "a Vale, com apoio da empresa de consultoria alemã TÜV Süd, operava uma 'caixa preta' com o objetivo de manter uma falsa imagem de segurança da empresa de mineração".[223]
Acordo de reparação de danos
Em 4 de fevereiro de 2021, a Vale, junto com o Governo Estadual, Ministério Público Estadual e Federal, Tribunal de Justiça de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais, acertaram o valor de mais de R$ 37 bilhões de indenização pelos danos causados, em um acordo com vigência de dez anos. Segundo o governo estadual, os recursos desse acordo, o maior em valor da história do Brasil e o segundo do mundo, já estariam sendo aplicados desde janeiro de 2019 e com a assinatura do acordo, novos editais seriam abertos para mais obras, monitoradas por uma auditoria externa independente contratada pela mineradora. Foi determinada uma multa diária de R$ 100 mil à Vale, em caso de descumprimento do acordo.[224] Os atingidos pelo rompimento da barragem fizeram um protesto contra o acordo em frente ao Tribunal de Justiça, por não terem participado das negociações. O Movimento dos Atingidos por Barragens denunciou que a Vale teria economizado R$ 17 bilhões, já que as ações de pedidos de reparação pelos danos causados somavam R$ 54 bilhões.[225]

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