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“Epístola de Viglius Zuichemus a Erasmo de Roterdã em 1532: ´A obra é de madeira, com muitas imagens e cheia de pequenas caixas; há nela diversas ordens e diversos graus. Ele (seu criador) reserva um lugar para cada figura e enfeite e mostrou-me uma tal maçaroca de papéis que eu, apesar de sempre ter achado que Cícero era a fonte da mais rica eloqüência, dificilmente teria imaginado que um autor pudesse conter tanta coisa em si e que tantos volumes pudessem ser preparados com seus escritos. Já lhe escrevi antes o nome do autor, que se chama Julius Camillus. Ele gagueja muito e fala latim com dificuldade, desculpando-se com o pretexto de que o uso contínuo da pena quase lhe resultou na perda da fala. (...) Chama seu teatro de muitos nomes, dizendo ora que é uma mente erigida ou construída (...) ora que é uma mente com janelas. Afirma que todas as coisas que a mente humana pode conceber e não

podemos ver com os olhos do corpo, depois de colecionadas com diligente meditação podem ser expressas por certos sinais corporais, de tal maneira que o observador pode perceber com os olhos, de uma vez só, tudo aquilo que, de outra forma, está escondido nas profundezas da mente humana. É por causa desse olhar corporal que ele o chama de teatro.´  Ainda no entrelinhar de V. a E.: ´Dizem que este homem construiu um certo Anfiteatro, obra de maravilhosa habilidade, dentro do qual qualquer pessoa que seja admitida como espectador é capaz de

discorrer sobre qualquer assunto,

com não menos fluência do que Cícero

 

Este homem: Giulio´Delminio´Camillo (ca. 1480–1544). Estudioso, trabalhava em sua grande obra, uma espécie de grande teoria unificada da memória e enciclopédia para servir de complemento ao próprio teatro, que, esperava ele, revolucionaria a maneira de pensar sobre o mundo, e o modo como as pessoas utilizavam o pensamento num discurso.

 

Um Anfiteatro de sete níveis, dividido em sete segmentos, cada um tendo em frente um dos sete pilares da sabedoria que, supostamente, sustentavam o Templo de Salomão. As galerias que circundavam o palco em semicírculo eram ocupadas por símbolos, alegorias e inscrições; tudo formando uma ordem metafórica do mundo. Ocupadas por alçapões atrás dos quais a mente curiosa encontraria comentários pertinentes de escritos de Cícero, preparados por Camillo.

 

A estrela desse teatro era a mente humana, ou, mais precisamente, a memória. Sua estrutura: um sistema mnemônico que nos permitiria visualizar tudo o que existe na terra e colocá-lo em seu lugar apropriado na ordem simbólica do mundo, para ser resgatado em momentos oportunos.

O, portanto, elaborado Teatro representava uma longa tradição de pensamento sobre a arte da memória, sobre seus poderes, concepção e forma.

 

Reza a lenda que tal arte nasceu à medida que

o poeta pré-socrático Simonide de Ceos sobreviveu a um desastre no qual todos os convidados de

um banquete morreram quando um teto desabou e ficaram tão desfigurados que nem os parentes puderam identificá-los. Lembrando-se do lugar que cada um ocupara à mesa, Simonide pôde escrever seus nomes nos cadáveres para ajudar os que os pranteavam. Ocorreu-lhe que esta façanha da memória só fôra possível porque ele associara cada convidado a um lugar, e começou a fazer experiências usando o mesmo processo de localização para idéias abstratas. Colocava, por exemplo, objetos imaginários com qualidades simbólicas numa casa que idealizara, ou ao longo de um caminho, e localizava um por um, puxando

o fio do pensamento ajudado por esses símbolos, sem necessidade de tomar notas. O relato sobre Simonide e sua importante descoberta é transmitido por Cícero, o mais famoso expoente

da arte da memória na Antiguidade.

 

Rememorando: ´A obra é de madeira, com muitas imagens e cheia de pequenas caixas; há nela diversas ordens e diversos graus. Ele reserva

um lugar para cada figura e enfeite, e mostrou-me uma tal maçaroca de papéis que eu, apesar de sempre ter achado que Cícero era a fonte da mais rica eloqüência, dificilmente teria imaginado que um autor pudesse conter tanta coisa em si, e que tantos volumes pudessem ser preparados com seus escritos. Já lhe escrevi antes o nome do autor, que se chama Julius Camillus. Ele gagueja muito e fala latim com dificuldade, desculpando-se com o pretexto de que o uso contínuo da pena quase lhe resultou

na perda da fala. (...) Chama seu teatro de muitos nomes, dizendo ora que é uma mente erigida ou construída (...) ora que é uma mente com janelas. Afirma que todas as coisas que a mente humana pode conceber e não podemos ver com os olhos do corpo, depois de colecionadas com diligente meditação podem ser expressas por certos sinais corporais, de tal maneira que o observador pode perceber com os olhos, de uma vez só, tudo

aquilo que, de outra forma, está escondido

nas profundezas da mente humana. É por causa desse olhar corporal que ele o chama de teatro.´

É por causa, visionário no entanto para além da visão, de um ouvir corporal e desse escutar metacorpóreo que agora, séculos após,

eu o chamo de Ópera!

 

Por Otacílio Melgaço [a partir de Philipp Blo.m.]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intróito a ensaio de Milton José de Almeida

(Cotia, SP: Ateliê Editorial: Campinas: Editora da UNICAMP)

 

Uma Alma provida de Janelas:

O Teatro da Memória através de um itinerário imaginário a L‘idea del teatro  de Giulio Camillo

 

Milton José de Almeida apresenta conceitos elaborados pelo renascentista italiano Giulio Camillo Delminio pela análise de sua obra clássica L´idea del teatro. Mais do que somente apresentar o autor, propõem algo como

um caminhar por entre textos e imagens, que solicitam ser lidos como “itinerários imaginários”, ou caminhos percorridos através de “imagens e locais, textos e idéias, pinturas e palavras” que revelam “um pouco e aos poucos” (p.8) a obra de Camillo.

 

Seguindo esse itinerário constatamos que

a obra é organizada em três partes:

numa primeira encontramos as ideias e

os textos de Giulio Camillo e a Arte

da Memória, na segunda parte, expostas ao “olhar”, estão as imagens representativas

do Teatro da Memória, e na terceira parte,

a tradução integral da “L´idea del teatro”

com notas e comentários, pelo autor, acrescidos.

 

É importante destacar o fato de que Milton, após alguns anos estudando a Arte da Memória - especificamente nas suas manifestações em imagens da pintura e do cinema -, dedica-se através da edição deste livro, a buscar um lugar mais visível (para além de alusões e citações) para a obra de Camillo no Brasil.

 

Revela-nos qual foi o método de

realização deste trabalho:

Reunindo essas inúmeras alusões, citações e estudos, estabeleci com eles uma espécie de mapa transparente de um espaço imaginário,

um trajeto a ser percorrido por pontos já conhecidos e outros, inúmeros, a serem conhecidos. Imaginando-o como um pequeno Teatro da Memória, abri esse mapa em Veneza, coloquei-o sobre

o da cidade, deixando que se entrevissem e amalgamassem num mesmo tempo da pesquisa e

o de Camillo.

Andei por esse novo lugar como pelos degraus

ou graus iniciáticos do Teatro de Camillo, perguntando e conversando com locais e imagens que aí passaram a se apresentar, e que me faziam inúmeras perguntas, assim me encaminhando também, para fora da cidade (p.8).

 

Tentaremos nesta resenha seguir o método proposto por Milton José de Almeida preservando, na medida do possível, o seu método da composição, incluindo as divisões e subdivisões conferidas. Optamos por fazê-lo dessa forma

pelo entendimento da importância do movimento textual realizado que coloca em consonância

a idéia do teatro de Giulio com

a tradução, análise e comentários

proferidos. Passemos assim a seguir

ao caminho sugerido.

Parte I -

O teatro da Memória

de Giulio Camillo

 

Esta parte do livro é subdividida

em cinco outras. Obedecendo a mesma

sistematização realizada, podemos apreender:

 

1- Um trabalho de contextualização do autor e da obra através de “Em torno de Camillo”, onde

o autor se refere ao projeto deixado aos leitores pela “L‘idea

del teatro” como sendo: uma “grande enciclopédia do saber, uma fábrica da memória universal, composta dos mais notáveis textos e imagens

do tesouro,

da filosofia, da literatura, da ciência, das religiões, das artes. Uma classificação hierarquizada e articulada do saber universal, para ajudar a memória e propiciar

ao praticante da Arte da Memória o seu domínio, que tomaria a forma de um verdadeiro

Teatro do Mundo (p.13).

 

A hipótese era de que esse teatro deva ter sido feito de madeira, com a possibilidade de ser ocupado por duas pessoas de cada vez. Esta estrutura seria composta por diversos graus, materializado através de 49 degraus, onde estariam presentes textos e imagens penduradas em suas paredes. Ao penetrar no fluxo e nas direções múltiplas que as informações suscitavam, o praticante da Arte da Memória ingressaria num mundo de transformação interior, no sentido de um aperfeiçoamento crescente que num primeiro momento seria de ordem retórica, para posteriormente

evoluir ao “espiritual, mágico, divino”,

um espetáculo “imitável e memorável” assim

descrito. Não só: a memoração imitativa seria conduzida pelas artes

transmutatórias da alquimia, presentes e seladas em cada degrau.

 

Não só: a transmutação espiritual seria movimentada pelas espirais

de Sefirot, pela cabala das letras e da interpretação do nome de Deus.

Não só: o praticante orientado pelos sete anjos que presidem o Teatro, chegaria à presença do Intelecto Supremo, próximo ao Uno,

a deus, ao Princípio, àquele que não pode ser ouvido nem visto,

pois não é imagem, nem palavra (p.15)

Pelo nome de batismo, Giulio Camillo Delmínio, possivelmente tenha nascido

em Portogruaro, no Friuli, Veneto Oriental, aproximadamente em torno de 1480-1484.

 

Um nome pouco citado, existindo poucos documentos que nos permitam conhecer

sobre a sua vida. Sobre sua morte pairam

pelo menos três possibilidades: em uma

Camillo teria morrido em 15 de maio de 1554 acometido por problemas respiratórios, em outra teria morrido na prisão onde cumpria pena por práticas alquímicas e uma terceira que atesta que a causa morte foi a “luxúria desenfreada”.

 

Considerado um sincretista, um homem de notório saber, despertou tanto a antipatia como

a admiração por suas qualidades como “filósofo, literato, poeta, orador, alquimista, mago, e

verdadeiro iniciado em mistérios herméticos e cabalistas”(p.15).

 

2- Camilo e os Textos: Milton José de Almeida ressalta que L‘idea del Teatro

não foi um texto escrito, mas um texto ditado ao final da vida por Camillo, e pode ser lido como uma “tessitura” por entre textos, imagens, idéias que remetem a imagem de um “grande teatro da memória e da sapiência, no qual textos e imagens se cruzam a todo instante, enquanto revelam sentidos e partem novamente” (p.27-28).

 

Ocultações e revelações conduzidas pela mística hebraica onde o participante seria

levado a uma “visão indireta das Idéias”, vivenciadas como “numa cintilação

momentânea, momento em que a imagem tornar-se-ia signo do divino, ligar-se-ia

à essência celeste que ela encarna, e tornar-se-ia intercambiável com essa essência”

(p.46).

 

O percurso nesse Teatro se daria através do movimento por entre palavras e

imagens em múltiplas dimensões, onde

a perspectiva necessária para adentrar neste espaço era de que as pessoas se constituíssem em “espectadores ativos, que olham e lêem e se deixam arrastar e conduzir pelas suas imagens agentes” (p.35). Do centro do

“palco” seriam avistados “Sete Pilares da Sabedoria, de Salomão, que assinalavam

as portas ou entradas custodiadas pelos sete planetas: Lua, mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Mas na porta central há uma inversão no lugar do Sol, Camillo coloca

o Banquete” (p.35). “De cada uma dessas portas partem sete (de)graus, que

compõem horizontalmente o Teatro e se cruzam verticalmente com os graus de cada porta dos Sete Planetas”(p.36). Este conjunto forma algo como uma “grade composta de 49 loci especialmente criados para serem percorridos” (p.36).

 

Um “local fantástico”, onde os diferentes papéis que as pessoas ocupam nesse

Teatro pode assim ser compreendido:

É um Teatro sem público, em que o Eu que o visita está só. E solitário executará as funções concomitantes de espectador, diretor, coreógrafo, roteirista... Estará no palco e também na platéia.

Enquanto participa da narração das imagens e ouve seus textos,

recebe os ensinamentos da retórica,

da filosofia, da pintura,

da poesia, da alquimia, do cristianismo nas figuras dos deuses pagãos,

da arte divina da combinatória cabalista das palavras. Estará numa

espécie de circuito visual de arte transmutatória, de transformação

no divino, em que o primeiro e o último degrau

se entrelaçam.

(p.41).

 

3 - O pensamento de Camillo: Em Veneza,

no período em que viveu

Camillo, estava o considerado mais importante círculo de artistas, estudiosos e praticantes da prisca theologia, a Teologia dos Antigos. Envoltos em torno da “tradição ficiniana da Concórdia universal de todas as formas de sabedoria, e sua confluência

com doutrinas neoplatônicas, o hermetismo e

a cabala, principalmente segundo o método de interpretação secreta de Pico della Mirandolla. E também a magia e as técnicas astrológicas expostas por Ficino, no De Vita coelitus comparanda.

 

O papel atribuído às imagens possui como base

a Arte da Memória, sendo

dotadas de um caráter produtor de ação e magia. As imagens atuariam como força

psíquica inconsciente que entravam em contato com as emoções e estabeleciam

conexões com o sistema astrológico. Ao utilizá-las as pessoas conectam-se em

um “trajeto planetário para o pensamento, que recebe o fluxo mágico da energia e virtude

dos planetas” (p.52).

 

Para Camillo, no homem encontra-se a “essência de tudo e de todas as formas”

(p.55). Esse homem interpretado como um “Deus mortal” poderá ter como destino

“trilhar os passos de retorno ao Pai, pela meditação que ilumina, gradativamente,

o caminho ensombrecido pela vida material e carnal, pela opacidade dos sentidos”

(p.55). Mais do que reflexões sobre estes assuntos, Camillo acaba propondo

um caminho:

[...] um caminho de conhecimento sapiencial e de

autoconhecimento para o homem, cuja natureza ambígua, composta de matéria corrompível e divina, permite-lhe escolher

entre dois destinos diversos: deixar-se levar pelos prazeres e pelas

coisas corpóreas da sua natureza inferior, ou aceitar as verdades

eternas dos pais espirituais, orientar-se pelo modo perfeito, Cristo,

e empreender o caminho de volta ao Pai, através da conversão da

arte transmutatória. A encarnação do Verbo resgata o homem

corrompido pelo pecado original ao mesmo tempo em que restaura

o Universo, reconvertendo-o e dando-lhe

o caminho para a perfeição e a salvação final. Sua obra L‘Idea del Teatro representa

exatamente isso [...](p.55).

 

4 – As imagens: o autor propõe como imagens supostamente presentes no Teatro de Camillo

um conjunto de obras e de pintores, direta ou indiretamente

relacionados. Entre estes pintores e obras, apresenta:

 

- Tiziano (ca.1482-1576): Alegoria da Prudência (ca. 1565) [Fig 1],

Transfiguração (ca. 1560), A visão de São João Evangelhista (ca. 1544), Pinturas para o Escorial, Danae (ca. 1533), Vênus e Adônis (ca. 1554), Perseu e Andrômeda (ca. 1554), Diana e Ateão (ca. 1559),

A morte de Ateão (ca. 1559). Diana e Calisto (ca. 1559), Rapto de Europa (ca. 1562), Amor Sacro e Profano (ca. 1514), Orfeu e Eurídice (ca. 1510), Orfeu(1515) e o Escalpamento ou A Punição de Marsias(ca. 1575).

- Francesco Salviati (1511-1563): As três Parcas [Fig 2], Sibila Comuna, A

Incredulidade de São Tomé, A Paz que Queima

as Armas, Alegoria da Fortaleza, da Fé, da Esperança e da Caridade, Os Levitas Transportam a Arca da Aliança, Apolo e Marsias, O Carro da Lua e do Sol, São João Evangelhista e Íxion e Juno(anônimo do séc. XVI, baseado em Salviati).

- Giorgione (1477 ou 1478-1510): As três Idades [Fig 3], Friso de Castelfranco,

Giovanni Borgherini com o Mestre Astrólogo e Studiolo de Francesco I de Medici.

- Lorenzo Lotto (1480-1556-7): Alegoria do Vício e da Virtude [Fig 4].

 

5 - A Estrutura do teatro em L‘Idea Del Teatro de Giulio Camillo: o teatro

como concebe Camillo sinteticamente pode ser assim ser descrito:

 

“Primeiro Grau – Os sete planetas: Lua/Diana; Mercúrio; Vênus; Sol/O

Banquete; Marte; Júpiter; Saturno”(p.92).

 

“Segundo Grau – O Banquete, que o oceano oferece aos seus deuses,

representa a “água da sabedoria”, na qual se colocam as idéias, os elementos primários“(p.94).

 

“Terceiro Grau – A Caverna, em que as ninfas tecem panos purpúreos e as

abelhas fabricam o mel, representa os elementos no nível do mundo natural e suas misturas (p.94).

 

“Quarto Grau – As Górgonas, as três irmãs de

um só olho, representam as três

almas do homem, sua dimensão interior” (p.94).

 

“Quinto Grau – Pasifaé, com o touro, representa

a descida da alma no corpo e,

portanto, o homem exterior, a sua dimensão física” (p.95).

 

“Sexto Grau – As Sandálias, que representam

as operações naturais do homem,

aquelas que ele cumpre sem a ajuda de instrumentos ou técnicas” (p.95).

 

“Sétimo Grau – Prometeu, que representa todas as artes e as ciências,

e seus produtos” (p.96).

Parte II – O Teatro

da Memória Imaginado: 

O Olhar

 

Tal parte é composta

por um conjunto de imagens apresentadas através dos pintores e obras que supostamente fariam parte do “Teatro da Memória”, conforme anteriormente a tais nos referimos.

 

Parte III – A Idéia do Teatro (1552) – Giulio Camillo

 

Passemos agora à terceira, em que

o autor apresenta a sua tradução com notas e comentários sobre L´idea del teatro.

 

 Primeiro Grau

Os Sete Planetas

 

Camillo introduz seu texto dizendo que

“Os mais antigos sábios e escritores

tiveram o costume de esconder os segredos de Deus em seus escritos sob obscuros véus, para que só fossem entendidos por aqueles que (como diz Cristo) tem ouvidos para ouvir” (p.219).

Para posteriormente concluir sobre

esses segredos que:

Não é lícito revelá-los, porque os revelando, comete-se um duplo erro, que é o de desvendá-los a pessoas não dignas, e de tratá-los como nossa língua inferior - eles que só podem ser revelados pelas línguas dos anjos. João escreveu suas visões sem procurar declará-las de outra maneira. E nós, em nossas coisas, precisamos de imagens como significadoras daquelas coisas que não devemos profanar. E é caro a deus que suas coisas sejam mantidas sob a reverência de seus próprios véus” (p.222).

 

Tomando como referência as Sefirot, as sete colunas sobre as quais está

apoiado o mundo, segundo Salomão no nono Provérbio e a simbologia das 49 palavras do texto hebreu do Padre Nosso, como sendo

o número da remissão dos pecados, e

a simbologia do número 7, pelos sete pedidos feitos a Deus, Camillo cria “para dar ordem à ordem” através de seu teatro 49 locais principais, sendo sete colunas com sete degraus em cada uma. Atribui sete portas, ou distinções, a cada planeta.

 

No primeiro grau, poderão ser vistas as sete portas dessemelhantes, e sobre

a porta de cada coluna serão pintados os planetas sob forma humana (exceção do Sol), assim como todas as coisas pertencentes ao seu mundo sobreceleste e às ficções dos poetas

a isso relacionada.

Sob a porta da Lua, tratar-se-á de seu mundo sobre celeste, Malkut e Gabriel.

Do celeste, a Lua, a opacidade, a grandeza e

a distância dela. Nas

fábulas de Diana, seus símbolos e

o número de Dianas.

Sob a porta de Mercúrio, em seu mundo sobreceleste, estarão

Iessod e Michael.

No celeste, o seu planeta.

Nas fábulas, Mercúrio mensageiro dos deuses, e seus instrumentos.

Sob a porta de Vênus, no sobreceleste, Hod, Netzach, Honiel.

No celeste, o planeta Vênus.

Nas fábulas, a deusa Vênus, Cupido, seus instrumentos, o número

das Vênus e dos Cupidos.

Sob a quarta porta do primeiro grau do Sol [...] um banquete.[...]

Sob a porta de Marte, no mundo sobreceleste, estarão Guevurá e

Camael.

No celeste, o planeta Marte, e nas fábulas,

o deus Marte e

seus instrumentos.

Sob a porta de Júpiter, no mundo sobreceleste, Hessed e Zadchiel.

No celeste, o planeta Júpiter.

Nas fábulas, o deus Jupíter e seus instrumentos.

Sob Saturno, teremos no sobreceleste Biná e Zapchiel.

No celeste, o planeta Saturno.

Nas fábulas, o deus Saturno

e seus instrumentos(p. 231-2-3)

 

 Segundo Grau

O Banquete

 

Em todas as portas do segundo grau

a mesma imagem pintada – um banquete.

Clara alusão ao banquete platônico e também

a Fílon de Alexandria que associa “o banquete” ao “teatro do mundo” e as relações entre

o banquete, lenda relatada por Cícero, e

a Arte da Memória.

Sob a porta do banquete em qualquer um

dos planetas estariam “as

coisas mais vizinhas do intelecto”, “simplíssimas”. Assim dispostas:

Sob a porta do Banquete lunar estarão duas imagens, aquela de

Proteu e a de Netuno com o tridente.

[...] Sob o Banquete de Mercúrio haverá

uma imagem de elefante

[...] animais mais religioso de todos [...]

Sob o Banquete de Vênus haverá uma esfera com dez círculos, e o

décimo será áureo, e carregado de pequenos espíritos [...]

Sob o Banquete de Sol deveria estar Apolo [...] e sob sua porta

tratar-se-á de Tiferet e de Rafael.

Sob o Banquete de Marte haverá duas imagens, um Vulcano, e uma

boca do Tártaro aberta e que devora

as almas[...]

[...] Sob o Banquete de Júpiter haverá duas imagens, uma de Juno

suspensa e a outra de Europa.

[...] E, sob o Banquete de Saturno haverá

duas imagens, uma de

Cibele, como descrita por Lucrécio, engrinaldada de torres e puxada

por dois leões ligados ao seu carro, a qual significando a terra,

significará para nós, neste lugar, a terra simples e virgem [...]

A outra imagem de Cibele lançará um vômito de fogo, e sob esta

estará o volume do Inferno e dos nomes das suas moradas e das

almas danadas [...] (p.247-8-9-250)

  Terceiro Grau

A Caverna

No terceiro grau Camillo prevê, em cada uma

de suas portas, uma caverna.

Diferencia da caverna platônica, e denomina-a de caverna Homérica. “Homero, pois,

imagina no porto de Ítaca uma caverna, na qual algumas ninfas tecem panos

purpúreos, e imagina abelhas que entram e saem fabricando seu mel, que significam as

coisas mistas e elementais” (p.253). Em cada

uma das sete cavernas, obedecendo a natureza de seu planeta seriam conservados os mistos e os elementais a ele pertencentes.

 Quarto Grau

As Górgonas

Neste grau Camillo faz referência à fábula grega das três irmãs cegas,

as Górgonas, estas por terem somente um olho compartilhado e que quando era

emprestado de uma à outra , aquela que o tinha “tanto via, como havia”(p.289).

Camillo compreende que neste símbolo reside todo o mistério da verdade que nos faz entender que “o raio divino está fora, e não dentro de nós. Ora, esta imagem cobrirá toda a ordem do quarto grau, contendo sob si as coisas pertencentes ao homem interior segundo

a natureza de cada planeta” (p.289).

 Quinto Grau

Pasífae

Camillo utiliza neste grau a fábula de Pasifaé. Aquela que tendo entrado

no corpo de uma vaca foi engravidada

por um touro, parindo um Minotauro, este metade homem e metade touro. Significa a alma com seu corpo etéreo, por meio do qual, conforme afirmavam os platônicos, une-se ao corpo. Camillo projeta a imagem de Pasífae sobre todas as portas do quinto grau e atesta que esta “cobrirá todas àquelas imagens às quais serão recomendados volumes que contêm coisas e palavras pertencentes não somente ao homem interior, mas àquele que é coberto também pelo exterior, e junto aos membros particulares do corpo, segundo a natureza de cada planeta [...](p.296-7). O touro, de Pasífae, representa o corpo.

 

 Sexto Grau

As Sandálias de Mercúrio

 

Sob todas as portas do sexto grau estarão

as sandálias, bem como as outras

guarnições que Mercúrio utiliza quando vai cumprir a vontade dos deuses. Isto,

segundo Camillo, serve para despertar

a memória “todas as operações que o homem

pode fazer nesses graus subpostos naturalmente e sem qualquer artifício” (p.305).

 

 Sétimo Grau

Prometeu

 

Sob cada porta do sétimo grau estará a imagem de Prometeu com uma tocha

acesa, como símbolo de todas as artes, designação deste sétimo grau. E para que

entendamos a razão de tal atribuição Camilllo remonta aquilo que diz Sócrates no Protágoras de Platão:

Diz ele, portanto, que tendo vindo o tempo fatal da criação dos animais, os

deuses, que até o momento estavam sós, formaram esses animais nas vísceras da terra, de fogo e de terra e daquelas coisas que estão misturadas com o fogo e a terra. E, quando eles quiseram levá-las à luz, ordenaram a Prometeu e a Epimeteu que distribuíssem a cada um

as forças adequadas. E Epimeteu pediu

a Prometeu que lhe deixasse fazer tal distribuição e que ele somente ficasse conferindo. Prometeu consentiu e Epimeteu fez

a distribuição. Assim, para alguns deu robusteza sem rapidez, a alguns mais fracos deu velocidade, armou alguns, e, para aqueles que não tinham armas, encontrou algumas coisas para sua proteção. E aqueles que estavam fechados em pequenos corpos, para uma parte deu-lhes plumas para voar e para outra parte, o rastejar.

 

Considerações Finais

 

Diante do até aqui exposto - é inegável assinalar a importância do ensaio

produzido por Milton José de Almeida sobre este fascinante autor renascentista que foi Giulio Camillo. Reafirmando assim no âmbito dos estudos da memória, a importância e

a necessidade de instigar a produção de trabalhos sobre “O Teatro da Memória” e sua ambição, carregada de atualidade, e se destacando entre os passíveis de serem considerados como trabalhos imprescindíveis. Uma grande enciclopédia do saber, publicada em 1550 e que acabou por anunciar, através de seus conceitos e movimentos, aquilo que a arte e

a ciência na contemporaneidade concretizariam, muito tempo depois, através do conceito de interatividade na obra de arte e

o de comunicação em rede.

 

Percorrer, hoje, em palavras e em imagens

o Teatro da Memória, tal como nos propôs Camillo, é atualizar nossas janelas de conhecimento provendo-as da alma, e talvez

até por isso, mantendo-as pela memória

e pelo teatro do mundo,

renovadamente vivas.

por  Denise Bussoletti

 A  p  ê  n  d  i  c  e

 

Teatro da Memória: precursor do cinema

(Giulio Camilo, 1530)

 

Camillo (1480-1544) é considerado um dos filósofos mais controvertidos e misteriosos do Renascimento. Foi contemporâneo e amigo de outros sábios como o filósofo Erasmo de Roterdã, que

o considerava excessivamente estranho, devido às suas ideias holísticas. Ao contrário desses pensadores, que viam no texto escrito a fonte de apreensão para o conhecimento, Camillo via no teatro e na cenografia uma nova maneira de aprendizado e registro da memória. Segundo suas próprias palavras, “desde o mais antigo e mais sábio dos escritores, fomos acostumados a registrar os segredos de Deus apenas em escritos”.

 

Em 1530, ele pensou uma máquina que mudaria essa concepção, chamada inicialmente de Theatro della Sapientia, ou Teatro da Memória, em português. O filósofo chegou a construir o mecanismo e, segundo relatos, o exibiu em apresentações no ano de 1532. Tratava-se de uma enorme estrutura de madeira que permitiria um ou dois indivíduos de cada vez no seu interior. Dentro havia uma grande variedade de textos e imagens. O conteúdo estaria dentro de pequenas caixas dispostas em ordens e graus variados.

Ao entrar nesse “teatro maquínico”, o usuário era capaz de pesquisar sobre qualquer assunto, porém não seria o único

a usufruir do conhecimento buscado. À medida que o conteúdo no interior da máquina era manipulado, o público do lado de fora e presente em um auditório onde o invento deveria ser disposto teria acesso às imagens e textos que apareciam em sete pilares dispostos no exterior da máquina. Afinal de contas, segundo o inventor,

o texto escrito não seria suficiente, devido ao seu caráter intimista, e o conhecimento deveria ser compartilhado coletivamente de acordo com as leis de Deus. Não seria

o Teatro da Memória de Camillo precursor do cinema ou

dos recursos multimídia tão comuns hoje em dia?

 

por Nina Gazire

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